Mulheres de Atenas, aquela música do Chico, a gente vai ouvindo e vai enxergando as moças em casa, os maridos na guerra, elas rezando, eles enchendo a cara, elas bordando, eles amando outras, elas com os filhos, eles na farra, elas conformadas, eles violentos.
A letra é genial porque, embora retrate os homens como "bravos guerreiros" e as mulheres como submissas, quando a música termina fica a certeza de que fortes, mesmo, são elas. O pilar moral, a estrutura emocional que sustenta a família são as mulheres. Os maridos de Atenas não passam de valentões infantilizados, frágeis como os homens costumam ser.
Façamos um teste. Tente lembrar de qualquer drama na sua família – qualquer crise, qualquer abalo provocado por uma grave doença, por um imprevisto financeiro, por uma separação abrupta, pela morte de alguém. Agora pense em quem segurou as pontas. Pense em quem abdicou das próprias prioridades para enfrentar o problema em nome de todos.
Não foram as mulheres?
Sempre me chamavam a atenção, nas reportagens que fiz em presídios, aquelas filas imensas nos dias em que os detentos recebiam visitas. Nas prisões masculinas, as filas eram só de mulheres. Nas prisões femininas, as filas também eram só de mulheres. Fui concluindo que a tendência dos homens, quando confrontados com a desgraça, é fugir. Não diria que são desleais nem ingratos, diria que simplesmente não aguentam – mostram-se frágeis e covardes.
Essa envergadura emocional, essa vocação para enfrentar as desgraças e assumir a liderança em meio aos percalços, isso sempre me intrigou nas mulheres. Talvez por isso Madonna ainda ocupe um espaço importante entre os meus ídolos. Ela personificou a força feminina que os guerreiros de Atenas jamais teriam e catapultou-a a um patamar inédito. Madonna enfrentou os paradigmas que ela escolheu enfrentar. Inspirou uma geração de mulheres a libertar-se de imposições morais, culturais, religiosas e familiares, tudo isso abusando de uma genuína capacidade de chocar.
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Mas aí veio a semana passada. Agraciada com o título de Mulher do Ano pela Billboard, revista americana especializada em música, Madonna foi ovacionada por fãs e publicações do mundo inteiro por seu "discurso feminista". Quem sou eu para julgar a forma como os outros interpretam qualquer coisa, mas, particularmente, nunca imaginei ouvir tanta pequenez de uma mulher tão grande. Passou 10 minutos reclamando de como foi perseguida pela misoginia e pelo preconceito.
– Tudo o que lia sobre mim era ruim. Eu era chamada de puta e de bruxa. Uma das manchetes me comparava ao demônio.
Com todo o respeito, Madonna, você queria o quê? Botava crucifixo entre os seios, simulava masturbações no palco, tacava fogo em cruzes, beijava santo na boca e definia-se como "mulher materialista". Tudo isso era fantástico, era autêntico, era necessário, nada soava gratuito no contexto da época, mas toda transgressão tem seu preço a pagar, não?
Madonna foi um dos maiores fenômenos comerciais de todos os tempos justamente porque, pela primeira vez, a juventude queria ouvir uma mulher que, na visão da sociedade conservadora, portava-se como puta. Não recordo de alguém que tenha explorado tanto a sexualidade como instrumento de marketing quanto Madonna explorou. E fez bem em explorar. Mas, na semana passada, veio dizer que jamais foi aceita – porque apenas os garotos, segundo ela, podiam fazer o que quisessem.
– Eu pensava: "Espere aí, o Prince não está correndo por aí usando meia-calça, salto alto, batom e mostrando a bunda?". Sim, ele estava. Mas ele era um homem.
Acho que nunca vi alguém ser mais chamado de bicha – por pessoas que consideram "bicha" um insulto, claro – do que o falecido Prince. Como eu disse, a ousadia tem seu preço. Prince também era mestre na arte de chocar, mas sempre perdeu para Madonna, que há dois meses prometeu sexo oral a quem votasse em Hillary Clinton, o que, sinceramente, achei sensacional.
– E, por fim, não envelheça – prosseguiu a cantora. – Porque envelhecer é um pecado. Você será criticada e humilhada e, definitivamente, não vai tocar nas rádios.
Não é o seu caso, né, Madonna? Está há 34 anos sustentando uma carreira admirável, ganhando prêmio de Mulher do Ano de uma das revistas mais influentes do showbiz, enquanto uma série de artistas de ambos os sexos – alguns da mesma idade e outros bem mais jovens do que você – é esquecida diariamente.
As mulheres são vítimas de uma sociedade machista? Evidente que são, desde os tempos de Atenas, só que a genialidade de Madonna foi justamente assumir como triunfos os "defeitos" que a sociedade tentava imputar às mulheres.
No discurso na Billboard, perdeu a oportunidade de dizer "sejam putas se quiserem, porque eu dei certo", "sejam velhas se quiserem, porque eu dei certo", "sejam materialistas se quiserem, porque eu dei certo". Isso me pareceria um discurso feminista, e não uma peça de autopromoção oportunista e demagógica como a da semana passada.
O que aconteceu com você, Madonna? Lembrou-me não as mulheres de Atenas, mas os guerreiros da música do Chico – tão valentões por um lado, tão covardes e frágeis por outro. Por favor, Madonna, volte a nos brindar com a força que as mulheres têm.