À minha frente falava o prefeito eleito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), e à minha direita estavam os jornalistas Juliano Rodrigues e Juliana Bublitz, competentes colegas aqui da Zero. Nós quatro sentados, as câmeras ligadas.
Juliana, lá pelas tantas, disse que compreendia a relutância de Marchezan em apresentar prazos para cumprir suas promessas. Mas ressaltou, com delicadeza, que era obrigada a insistir em uma questão: para quando ele previa o funcionamento de oito postos de saúde até as 22h, conforme prometera durante a campanha?
Uma boa pergunta – fundamental, eu diria. Antes de se eleger, Marchezan disse que bastaria cortar 6% dos gastos com CCs para estender o horário dos postos. Foi taxativo, enfático. A própria Juliana, na época, verificou se esse cálculo estava correto e concluiu que sim, a proposta era viável. Bem, agora Marchezan estava eleito – e nos concedia uma entrevista. Era obrigação de qualquer repórter colher detalhes sobre a execução de um compromisso tão concreto.
– Por que jornalista acha que é obrigado a apertar político? – Marchezan subiu o tom.
– Porque queremos ver a promessa ser cumprida – respondeu Juliana.
– Tu acha que uma pessoa contratada para administrar a RBS, uma pessoa que deve começar no mês que vem, depois de ter estudado toda a empresa, de ter passado por todos os testes, de ter mostrado um planejamento, tu acha que essa pessoa entra aqui e alguém pergunta: "Quando é que tu vai fazer?".
Pedi licença. Falei que um funcionário deve explicações à sua empresa, mas um prefeito deve explicações à sociedade. Nós, jornalistas, nem sempre conseguimos, mas tentamos perguntar o que a sociedade, na nossa percepção, gostaria de saber.
– Então quando eu assumir (o mandato) e tiver esse cenário, tu me pergunta. Aí vou ter condições de falar – encerrou Marchezan.
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O conteúdo da resposta, claro, não foi nenhum absurdo: ele julgou impossível responder agora porque, primeiro, precisa conhecer a realidade estrutural e financeira da prefeitura. Tudo bem, compreensível. O incompreensível é o destempero de um prefeito eleito ao ser confrontado com qualquer coisa que lhe desagrade. Com toda a sinceridade, acredito que Marchezan possa fazer um bom governo – e, com a mesma sinceridade, torço para isso. Nem seus adversários mais ferrenhos, que discordam frontalmente de suas posições políticas, arriscam-se a questionar sua retidão moral e, em especial, sua gana por combater o que considera injusto.
O problema é que, quando considera algo injusto, a reação de Marchezan é furibunda. Ele não consegue lidar com aquilo que lhe parece injusto, mesmo que aquilo, dependendo de quem interpreta, não seja injusto, seja no máximo desconfortável. Foi o caso da pergunta de Juliana Bublitz sobre os postos de saúde. Foi o caso de um taxista que, na Câmara dos Deputados, após ouvir Marchezan se referir aos táxis como um serviço incompetente e ineficiente, sugeriu de longe que o tucano preferia andar de carroça e ouviu de volta "carroça pra tu puxar, ô ignorante!".
É com esse tipo de adjetivo que Marchezan trata funcionários de seu gabinete que julga inaptos – não porque ele seja um mau-caráter, mas porque considera, de fato, uma injustiça o contribuinte pagar o salário de vadios. Claro que há um ponto positivo nisso: estamos fartos de gestores tolerantes com a ineficiência, fechando alianças tão amplas quanto inúteis e montando "grupos de trabalho" que nunca resolvem patavina.
Mas o temperamento de Marchezan pode guiar seu sucesso ou seu fracasso. Ele vai tratar com corporações de funcionários públicos, que não podem ser demitidos como seus CCs. Vai precisar convencer os médicos do município a trabalharem até as 22h. Vai tratar com vereadores que pensam diferente, com secretários que precisam admirar seu líder, com multidões que têm de estar ao seu lado.
Pelo seu bem, prefeito, vá com calma. E pelo bem da cidade, principalmente.