A mais recente atrocidade juvenil ocorreu há 20 dias, em Goiás, quando quatro meninas com idade entre 13 e 16 anos torturaram durante quatro horas, com golpes de madeira e facão, uma colega de escola.
– No nosso pensamento, nós ia bater nela e ela ia morrer e nós ia enterrar ela. Só que aí não deu certo – explicou uma das jovens, lamentando a fuga da vítima.
Há pouco mais de um ano, no Piauí, outros quatro adolescentes, desta vez homens, participaram de um estupro coletivo que terminou com garotas espancadas e arremessadas de um penhasco – uma delas morreu. Em Porto Alegre, dois casos perturbadores marcaram o mês de junho: um assaltante de 16 anos ajudou a torturar e a matar, com uma chave de fenda e um aparelho de choque, uma funcionária do aeroporto Salgado Filho; e um garoto de 14 anos matou um estudante de 17 com um tiro no peito porque a vítima o estaria "encarando" na hora do assalto.
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Todos esses episódios reacenderam a sanha de quem defende a redução da maioridade penal – proposta que já foi aprovada pela Câmara e ainda aguarda decisão do Senado. Só que a discussão se resume sempre à mesma mediocridade: os "de direita" são a favor, os "de esquerda" são contra. Tornou-se uma guerra de dogmas, não um debate de ideias – talvez porque o lugar-comum tenha definido que punir ou prender seriam práticas da direita, enquanto educar ou cuidar seriam mandamentos da esquerda. Mas também porque, verdade seja dita, a redução da maioridade penal foi apoiada por alguns dos parlamentares da direita mais truculenta do país.
Sinto engulhos só de pensar que uma opinião minha poderia se alinhar à de Bolsonaro, por exemplo, ou à de qualquer pessoa que defenda vingança no lugar de justiça. Não é o caso. Em princípio, não sou favorável à redução da maioridade penal – sou contra a própria ideia de existir uma maioridade penal para determinados casos. Concordo que existem crimes próprios da adolescência, movidos pela inconsequência, ou pela imaturidade, ou pela vulnerabilidade, ou pela estupidez juvenil. Mas existem crimes que são crimes e ponto. Qualquer idade que se imponha para responder por eles me parece arbitrária.
Se o sujeito estupra e mata aos 17 anos e 364 dias, é um menor infrator. Se estupra e mata no primeiro dia dos seus 18 anos, é um adulto criminoso. Não tem cabimento. Sou um entusiasta da recuperação dos presidiários, defendo como prioridade do Estado a ressocialização de ex-detentos, mas não vejo como recuperar qualquer pessoa sem começar pelo reconhecimento da plena responsabilidade do indivíduo pelos seus atos.
Um argumento frequente aponta que, como a maioria dos jovens infratores é pobre, uma medida dessas seria um ataque aos pobres. Compreendo, mas a maioria dos presos adultos também é pobre – por que esse atenuante não valeria para eles? Eu jamais negaria que a miséria, a desorganização familiar, a educação precária e a proximidade com o tráfico produzem criminosos. São chagas que o país precisa enfrentar. Mas não é razoável que essas chagas sirvam para minorar os crimes mencionados no início do texto.
Estuprar, espancar e depois atirar as vítimas de um penhasco extrapola qualquer contexto de "crime adolescente". E não se pode atribuir essa conclusão a valores de esquerda ou de direita. Agora, claro, uma preocupação é improrrogável: como colocar mais gente no sistema prisional brasileiro?
Nossos presídios revelam a faceta mais pavorosa do país: não há vagas para quase ninguém e, nas vagas que há, empilham-se presos em meio a baratas e ratazanas. Sabe-se que organizações criminosas comandam as cadeias e que a esmagadora maioria dos detentos sai da prisão mais violenta do que entrou.
A prioridade precisa ser esta, resolver o que já existe e não funciona. Por mim, a redução da maioridade penal pode esperar o tempo que for. Quem estupra, tortura e mata aos 16 anos precisa ser preso, mas precisa também do lugar para ser preso. Primeiro, arranjem esse lugar, desativem essas masmorras, e só depois ousem falar em justiça.