A semana avançava normal, todo mundo se estapeando e rosnando e brigando por causa do impeachment, até que uma notícia de relevância duvidosa sacudiu o país: William Bonner e Fátima Bernardes estavam separados. Meu Deus, até eles? Subitamente, o Brasil se unia – a perplexidade era geral.
Se nem Bonner e Fátima, que vestiam ternos e tinham trigêmeos, que alcançaram juntos um sucesso inabalável, que pareciam tão realizados na meia-idade, tão cúmplices no Jornal Nacional, tão apaixonados no Arquivo confidencial do Faustão, se nem eles ficarão juntos para sempre, o que restará para nós, meu Deus? Que casamento haverá de ser eterno se nem Bonner e Fátima se amam mais??? Oh...
Dezenas de milhares de textos inundaram as redes sociais. A separação dos dois superou o impeachment como o assunto mais comentado, as pessoas imploravam por uma reconciliação, até as piadas traduziam uma incredulidade tragicômica – William Bonner no Tinder era mais inverossímil do que Jornal Nacional sem boa-noite.
Confesso que também me abalei: era como ver, sei lá, meus tios se separando. Desde menino, acompanhei os dois juntos, e formou-se ali um símbolo da relação duradoura, da felicidade careta, do casamento ideal. Só que o ideal, claro, só existe na ideia. Mas a gente enaltece o ideal o tempo todo. Porque reconhecer que ele não existe seria desistir da ideia de, um dia, alcançar a felicidade plena. Por isso idealizamos – porque a fantasia nos ajuda a tolerar a realidade.
Tanto é assim, que, na mesma semana em que assistia ao fim do casamento ideal, o brasileiro idealizava outras fantasias. "Vejam que mulher guerreira, lutadora, corajosa, cada vez mais eu a admiro", escreviam apoiadores de Dilma. "O Brasil está avançando, as instituições funcionam, a impunidade acabou", escreviam apoiadores do impeachment. Sinceramente, senti pena de todos. Primeiro, como alguém enxerga em Dilma a candura de uma Fátima? Vocês lembram que Dilma nos enganou, não?
Está comprovado que a mulher usou dinheiro dos bancos – dinheiro, portanto, que não era do Tesouro – para fingir, dissimular, mentir para a população que tudo corria bem na economia brasileira em 2014, ano de eleição. Depois de eleita, descobriu-se um rombo de R$ 56 bilhões para pagar. Dizem que outros presidentes fizeram a mesma coisa, mas Fernando Henrique tomou dos bancos R$ 948 milhões, quase 60 vezes menos.
Agora imagine se todo presidente resolve atolar o país em uma crise dessa dimensão para se reeleger. Não pode, é um precedente grave, e Dilma precisava ser punida. Com o impeachment? Talvez, mas não com esse show de horrores que alguns chamaram de "instituições que funcionam". Porque, vejamos: uma presidente, segundo os senadores, comete um crime e deve ser afastada. Certo. Só que para esse crime, que curioso, não tem pena. Mas que diabo de crime mixuruca é esse que nem pena tem?
– Nós temos que julgar, mas não podemos ser maus – disse Renan Calheiros (PMDB-AL).
Na minha época, o mau era o criminoso. Se Dilma nem merece uma pena, por que mereceria ser condenada? E, se a Constituição manda que ela fique inelegível por oito anos, como é que uma "instituição que funciona" atropela assim a lei maior? É evidente que essa medida pretende livrar corruptos que, caso percam seus mandatos, não perderão o direito de concorrer em eleições seguintes.
Mas, para tornar a realidade mais palatável, quem apoia o impeachment diz que "a impunidade acabou"; quem apoia Dilma diz que "ela é mulher de fibra". Ah, pelo amor de Deus, prefiro valorizar os 26 anos de união entre Bonner e Fátima, um casamento que não foi para sempre mas que funcionou, deixou três filhos, espalhou admiração, terminou em respeito. Não era ideal, como nada é, mas era melhor do que torcer por Dilma ou por esse processo de impeachment.