Ando meio nervoso, faltam três meses para a campanha eleitoral. Só de pensar em um candidato a prefeito falando outra vez em reforma do cais do porto, despoluição do Arroio Dilúvio, revitalização da orla e – essa é imbatível – informatização do atendimento à saúde, pelo amor de Deus, já me imagino erguendo a TV sobre a cabeça e arremessando a coitada pela janela.
Cansa, isso.
Não a campanha, que a campanha é importante. O que cansa é a sucessão de eleições com uma série de candidatos defendendo as mesmas obviedades. A paciência para tolerar um bando de zumbis controlados por essa perversão chamada marketing eleitoral – ninguém arrisca uma palavra que possa contrariar qualquer eleitor de alguma classe existente entre as letras A e Z –, podem escrever, a paciência para aturá-los vai acabar.
Porque, vamos combinar, não vai ser mole encarar uma campanha agora. No meio de um processo de impeachment. No meio de uma Olimpíada no Brasil. No meio de uma crise política, econômica e moral que desmotiva ainda mais um eleitor já aborrecido. A única saída para capturar algum interesse público seria os candidatos apresentarem algo tão indispensável quanto raro: ideias.
É mais difícil do que parece. Nos últimos 15 anos, não houve nada que se aproximasse de ideias em eleições para a prefeitura da Capital. Lembram da última campanha, em 2012? Credo, aquilo não pode se repetir. Zero Hora até publicou uma reportagem na época, o título era "A campanha das promessas iguais". Todos os possíveis vencedores, Fortunati, Manuela, Villaverde, defendiam exatamente as mesmas coisas: despoluição do Arroio Dilúvio, informatização do atendimento à saúde, mais vagas em pré-escolas, mais câmeras de vigilância. Propostas concebíveis, é verdade, mas nada que revelasse um mínimo esforço de raciocínio ou uma consulta séria às cidades mais bem-sucedidas do mundo. Nada que revelasse uma ideia.
Lembro sempre de um artigo do jornalista J.R. Guzzo. Ele mencionava Enrique Peñalosa, prefeito de Bogotá, que costuma dizer o seguinte: o estacionamento de carros em vias públicas não é um direito adquirido nem pode ser cobrado da prefeitura. Por que poderia? Se o cidadão compra uma geladeira, por exemplo, e não tem onde guardá-la, o problema é dele – não pode achar que o poder público tem a obrigação de resolver uma dificuldade que ele criou para si próprio.
Com os automóveis, não há por que ser diferente. Quem quiser tê-los, que encare o preço de um estacionamento ou deixe-os em casa para usar o transporte coletivo, como fazem milhões de pessoas todo dia. Ao impedir que se estacione na rua, segundo Peñalosa, é possível aumentar em 40% a fluidez do trânsito sem gastar um centavo em obras de duplicação. O dinheiro, portanto, pode ser investido em um transporte público que atenda a todos com eficiência e conforto.
Aqui se faz o contrário. Além dos carros, as vias recebem todo tipo de cacareco, inclusive caçambas que acumulam entulho de reformas particulares e qualquer inutilidade que esteja atrapalhando. Quer dizer: a rua não é um espaço que pertence a todos, é um espaço que não pertence a ninguém. Peñalosa inverte essa lógica ao afirmar que, se um ônibus leva 45 pessoas enquanto um carro leva só uma, o ônibus merece ocupar 45 vezes mais espaço na via pública.
Pode-se discordar de tudo isso, mas são ideias. Não do prefeito de Berlim, de Paris ou de Nova York – são do prefeito de uma capital com realidade socioeconômica nem tão distante da nossa. Reforço isso porque, no Brasil, os candidatos adoram dizer que as experiências de primeira classe, dos países de primeiro mundo, podem ser boas "para eles", mas jamais funcionariam aqui.
E assim eles prosseguem, repetindo discursos pasteurizados e programas de governo medíocres, sem uma única ideia capaz de atiçar o debate em uma população desanimada. Que seja diferente neste ano. Ou, pelo menos, que alguém enfim resolva o diabo da revitalização da orla.