Entrei no parque já decidido. Sempre me considerei um belo piloto de autochoque, que é meu brinquedo favorito – não simpatizo com aqueles modernos de nomes estrangeiros, tipo Mega Looping ou Super Crazy Revolution, meu negócio é autochoque e carrossel, mentira, carrossel não –, então fui direto ao autochoque.
Me acomodei em um carro prata. Iniciava meus exames acerca da flexibilidade do volante, mas pressenti uma coisa ruim, girei o pescoço e lá estava ela. Sentada em um carro negro, do outro lado da pista, lançava contra mim um olhar doente. Havia deboche naquele sorriso e ferocidade naquela alma. Não parecia uma garota indefesa: já tinha os seus 10, talvez até 11 anos.
Ela partiu na minha direção em altíssima velocidade e, sem me oferecer chance de fuga, catablamba!, me atingiu com fúria na altura da porta. Empreendeu em seguida uma manobra ligeira e começou: BLAM, BLAM, BLAM, deixando-me encurralado em um canto, desferindo sete ou oito pancadas contra o meu carro e gargalhando com orgulho sádico.
Consegui iniciar uma investida. Tomei boa velocidade, ela se manteve imóvel e sem saída, fui me aproximando compenetrado, enfim daria a volta por cima, mas a desgraçada executou um movimento seco ao volante, fazendo-me passar reto e me arrebentar na grade de proteção.
O tempo acabou. Desci do carro, olhei para ela e decidi: vou ao carrossel.
***
Tomávamos uma cerveja, eu e meu amigo Leonel, quando começou uma movimentação estranha na mesa ao lado. Não tinham mais do que 19 anos aqueles dois, mas aparentavam ser fortes. Deviam praticar jiu-jítsu ou vale-tudo, talvez as duas coisas, e um deles parecia o Alexandre Frota em Sassaricando, o que significa que era grande.
Passava das 10 da noite, não tinha muita gente naquele quiosque de Capão da Canoa. Os dois se encaravam com gana atordoante, um em cada lado da mesa. A coisa ia feder. Eles mantinham os punhos cerrados na altura do peito e, enquanto um franzia a cara de raiva, o outro começou a tremer o beiço.
Quando o primeiro avançou o rosto em desaforo, com a jugular já saltando pescoço afora, o Leonel se levantou da nossa mesa, recolheu a garrafa de cerveja e a protegeu junto ao peito – parecia óbvio que, se aqueles dois se pusessem de pé, todas as garrafas e mesas virariam açaí.
Um dos mamutes enfiou um soco na própria cadeira, e foi bem na hora em que eu engolia saliva, e essa saliva ricocheteou na minha goela e desceu atravessada até o duodeno. Falando em saliva, o outro brutamontes começou a babar, provavelmente de ódio – e, quando ele bufou de raiva, perdigotos pularam na cara do rival e, aí sim, testemunhei uma das mais impressionantes cenas da minha vida.
Um deles começou a rir. Se duvidar, pergunte ao Leonel. O cara que se babou, fazendo o outro gargalhar com aquela nojeira, ganhou a partida de jogo do sério.