Não há tabu maior do que o palavrão. É um pouco frustrante porque, sejamos francos, você e eu pronunciamos diariamente uma série de palavrões - e sabemos que um bom palavrão nada tem de ultrajante -, mas aqui no jornal, por exemplo, veja que injustiça, aqui no jornal não pode.
Não é uma regra formal, não é uma imposição, não há uma alínea no Manual de Redação proibindo o emprego de palavrões; a questão é que a sociedade só admite ouvi-los e dizê-los, nunca lê-los e escrevê-los. Aceita-se o palavrão na descontração da conversa fiada, mas, na hora do texto, é como se o julgássemos indigno da solenidade de um documento. O que acho uma pena.
Porque os palavrões são muito mais úteis e flexíveis do que parecem. É preciso usá-los, para que deixem de ser obscenos, e propagá-los, para que deixem de ser chocantes. Mas do jeito certo, claro. O escritor português Miguel Esteves Cardoso tem uma teoria de que gosto muito: quando usamos um palavrão fora do seu sentido concreto, acabamos por desinfetá-lo, por torná-lo decente, por inseri-lo no convívio familiar - já quando o palavrão é empregado literalmente, aí fica repugnante.
Por exemplo: "A privada está entupida de m****" ou "sinto uma coceira na ponta do c******" são frases inaceitáveis, mas dizer que "esse filme é uma m****" ou que "o atacante joga pra c******" não dá nojo em ninguém. Sempre que um palavrão é retirado do seu contexto original, ele é imediatamente libertado; ele ganha uma nova vida longe dos limites estritamente sexuais ou orgânicos que insistem em sufocá-lo.
Um amigo filho da p*** suaviza o estigma de todas as prostitutas. E quando uma conquista é muito f***, valoriza-se o prazer que alguém, agora, sente deitado em uma cama.
Se há palavras repulsivas são as imaculadas, como prepúcio, testículo, glande, esperma, vulva. São nojentas por serem inequívocas, incapazes de se descolarem das restrições de seus próprios significados. Não à toa a sabedoria popular cria expressões para substituí-las.
A palavra masturbação, por exemplo. Soa tão densa e sisuda que ninguém, em sã consciência, pode considerá-la melhor do que o seu brejeiro sinônimo: p******. São níveis de simpatia incomparáveis entre um vocábulo e outro. Mas por que o mais simpático é justamente o proibido? Por que, na legenda dos filmes, lemos "vá se danar" se o correto é "vá se f****"? Aliás, chegamos aqui a um novo ponto de inflexão.
Usar o verbo f**** ao contar para alguém uma aventura sexual é de uma grosseria atroz - normalmente se diz peguei, tracei, no máximo comi. Ou seja, tanto nas peripécias carnais quanto na privada entupida, o sentido literal dos palavrões é evitado com frequência. Porque sabemos usá-los no dia a dia, sabemos libertá-los da pornografia e da imundície.
Por isso, não faz sentido o tabu no texto. Quem faz mal à língua são as palavras erradas, os arrecéns e os derrepentes, os "pra mim fazer" e os "vou ir mais tarde". São eles - e não os palavrões - que f**** tudo.