O Uber é uma empresa que mente. Ciente do apoio da população, tem sido hábil em desmoralizar autoridades nas cidades aonde chega.
Em Porto Alegre, antes das operações começarem, a companhia solicitou à EPTC uma reunião para debater a legislação do município. Seria na sexta-feira, dia 20. Na véspera do encontro - com a prefeitura amaciada pela gentil iniciativa -, a empresa inaugurou as atividades, encheu as ruas de motoristas e atropelou o compromisso. Deixou secretários com cara de bocó.
Antes, o Uber anunciara à imprensa que começaria a operar "até o fim do ano". Mentira: o serviço entraria em ação uma semana depois. A estratégia despertou o boca a boca na população e, simultaneamente, evitou que o poder público tivesse tempo para articular uma reação. Usada, a imprensa ficou com cara de bocó.
Nessa mesma época, a assessoria do Uber tentou tapear o repórter Erik Farina, de Zero Hora, quando ele perguntou se já estavam selecionando motoristas para atuar em Porto Alegre. Só que o Erik não é bocó: descobriu que, ao contrário da negativa da empresa, o treinamento de condutores corria a pleno vapor.
Mentir - e omitir - faz parte da tática do Uber.
Ninguém sabe quantos carros eles mantêm em Porto Alegre; aliás, ninguém sabe sequer onde fica o escritório do Uber em Porto Alegre - se um usuário quiser processar a companhia por qualquer motivo, enfrentará dificuldades inclusive para ajuizar uma ação. Trata-se de uma empresa fechada, avessa à transparência e sem qualquer disposição para o diálogo. Mas a população a idolatra. A população a aplaude, a glorifica e, acima de tudo, enxerga nela um representante.
Porque, assim como o Uber, as pessoas não querem mais conversa; perderam o respeito pelo poder público. Assim como o motorista do Uber espancado na quinta-feira, as pessoas sentem-se diariamente agredidas por maus taxistas que prestam um serviço horroroso. Sou solidário aos bons taxistas - e aqui incluo meu tio, homem de honestidade e cordialidade inabaláveis - que diariamente têm sua imagem maculada por colegas que fazem cara feia quando o trajeto é curto, conversam no WhatsApp enquanto dirigem, arredondam para cima o valor da corrida (mesmo quando o taxímetro marca R$ 14,11) e tratam o cliente como criminoso se recebem uma nota de R$ 50.
Quer dizer, a prefeitura afirma que a regulamentação é imprescindível, no que eu inclusive concordo, mas as pessoas se perguntam: de que adianta? Os dois taxistas presos após desfigurarem o rosto de um motorista do Uber tinham 15 passagens pela polícia, mas seguiam dirigindo. O taxista que atropelou e matou o ciclista Joel Fagundes no aeroporto Salgado Filho, em fevereiro, já havia matado outros dois, mas também seguia dirigindo. Uma frota comandada por traficante e a recorrente venda ilegal de placas passaram, da mesma forma, ao largo da tão fundamental fiscalização.
A população olha para o Uber, uma empresa que entrega a ela o poder de dizer quem deve dirigir ou não, e pensa: que atropelem o poder público, que desrespeitem o meu prefeito, que usem a imprensa para mentir. Desde que não continue eu com cara de bocó.
*Na edição impressa de ZH, Paulo Germano substitui o colunista Paulo Sant'Ana, que se encontra em tratamento de saúde.