Assim como o restante do planeta, nós, aqui da editoria de Porto Alegre de Zero Hora, discutíamos a figura de Neymar – bem como a sua recente fama mundial de fiasquento – antes do jogo contra a Bélgica. Até que o repórter Marcelo Gonzatto nos contou uma história. O Gonzatto joga Fifa 2018 no seu videogame, e um dos baratos da modalidade online é poder disputar com outros jogadores de carne e osso pelo mundo. Exceto se você escala o Neymar.
– Não é bater. Porque, se eles batem, são expulsos. Se eu escalo o Neymar, é muito nítida a vontade dos adversários de me humilhar além de me vencer. De driblar, fazer roda de bobinho, essas coisas. É como se dissessem: "Ah é? Neymar? Então toma essa..." – contou o Gonzatto.
Não caio nessa de que Neymar se tornou um cara antipático por simular faltas. Seu berreiro é um dos componentes, mas não é o único.
Nosso colega se livrou do Neymar virtual. Tudo bem ser vencido, mas de ódio já basta nossa dose no mundo real. Passada a derrota de sexta-feira, não tenho a menor dúvida de que os únicos a lamentar fomos nós, brasileiros. Para o resto dos fãs de futebol, caiu ontem o mala da Copa da Rússia. Um cara tão antipático, que sua rejeição espirra até em quem o escala em um videogame. Neymar se tornou tão malquisto, que foi pisado deitado no gramado com o tornozelo machucado e todos se importaram mais com o suposto exagero do berreiro do que com o pisão desleal.
Engraçado é que o brasileiro tinha tudo para ser justamente o contrário. Tanto pelo futebol quanto pelo carisma, foi o que chegou mais próximo do Olimpo onde estão Messi e Cristiano Ronaldo, ainda em atividade, e outros gênios da nossa memória afetiva recente, como Zidane, Maradona, Ronaldo e Ronaldinho. Mas, em algum momento, Neymar deixou de ser uma personificação da ousadia e habilidade do futebol brasileiro para ser visto como um sujeito de inegável talento, mas birrento, chato, desrespeitoso o suficiente para você torcer mais é para que ele se ferre.
Não caio nessa de que Neymar se tornou um cara antipático por simular faltas. Seu berreiro é um dos componentes, mas não é o único. Pesquise "Cristiano Ronaldo dives" no YouTube e você encontrará atuações do português em divididas dignas do Oscar. Suárez, ex-companheiro de Neymar no Barcelona, tem a mesmíssima fama. No Uruguai, um comercial brinca com a ideia de ter o atacante trabalhando em um escritório. Quando um colega encosta no seu ombro, ele se joga no chão de terno e gravata. Mas Suárez é considerado um queridão, mesmo mordendo ombros de tempos em tempos. Então, onde Neymar errou?
Na mesma França em que atua, há um termo que define bem o atacante brasileiro: o enfant terrible. Na origem, trata-se de uma criança que constrange os pais com suas tiradas. Com o tempo, o termo passou a ser usado para jovens gênios que sacodem o status quo com o seu talento, mas também irritam quem faz parte dele pela empáfia. Mozart foi um enfant terrible na música. Mark Zuckerberg é outro na indústria da tecnologia. Neymar, além de ser assim como pessoa, é um caso ainda mais complexo porque traz sua personalidade para o estilo de jogo. É parte de sua estratégia em campo incomodar, irritar, fazer com que os zagueiros, diferentemente de serem driblados por um Ronaldinho da vida, encarem as diatribes de Neymar como algo pessoal.
Problema é que quanto menos "enfant" se é, menos esse comportamento é admirado. Com o tempo, passa a ser execrado. Perceba que, mesmo criticado em vários meios, o carisma de Neymar está intacto junto às crianças. É que, além dos penteados maneiros, as crianças se identificam com o Pica-Pau, com o Jerry, com o Pernalonga, com personagens que irritam todos aos seu redor.
É com o tempo que passamos a ver o lado do Zeca Urubu, do Tom e do Hortelino. Acontece que Neymar já tem 26 anos. Está na hora de escolher se quer continuar sendo o "Menino Ney" – apelido que hoje se justifica muito mais pelo comportamento do que pela idade. Como a derrota ensina, pode ser que o novo ciclo seja, enfim, de amadurecimento.