Um dos meus prazeres é ler revista velha, bem velha, de pelo menos uns 20 anos. Para quem, como eu, gosta do mergulho no passado recente, existem dois santuários ecológicos para esse espécime que se salvou do lixo: consultórios de dentistas e casas de praia. Paira um mistério sobre por que territórios tão díspares tendem a aglutinar essas preciosidades, mas assim é.
Encontramos nessas revistas celebridades esquecidas, subcelebridades extintas. Como fomos dar bola para essa gente? O visual, então, esse diz tudo, as roupas, antes elegantes, nem brechó aceitaria. No vestuário, a moda e sua efemeridade são mais visíveis e risíveis.
Sensacionais mesmo são os anúncios de carros fantásticos que hoje são sucata. TVs de tubo incríveis, com uma definição nunca sonhada, do tamanho de uma lavadora e peso de um piano. Ofertas de computadores ultramegaplus em tudo, menos potentes que o celular que está no teu bolso. No setor saúde, nunca falta a notícia da cura iminente do câncer, o regime definitivo para emagrecer, ou remédio para a calvície. E, ainda, o vaticínio de tendências que nunca aconteceram, o proselitismo de certezas que se desfizeram em poeira, ideias revolucionárias de gurus que se mostraram puro modismo.
Nessas páginas, encontramos profecias sobre qualquer coisa, menos os fatos que realmente deram uma nova cara ao mundo: a internet, as redes sociais, os games, o smartphone, o Google, o multiculturalismo, o início do derretimento da fixidez das identidades de gênero. Somos o futuro que ninguém previu.
Desse encontro, tiro duas teses. Primeira: ninguém realmente sabe para onde vamos. Segunda: nos levamos demasiado a sério. Daqui a 30 anos, alguém vai pegar uma revista de hoje e enxergar- nos exatamente como vemos o passado: apegado a quinquilharias como se fossem o máximo, elogiando ideias tolas, acreditando estar no cruzamento cósmico de algo muito especial. O exercício dessa leitura não é saudosismo, mas para entender o exagero de como percebemos o presente. Aproveito como uma imprescindível lição de transitoriedade.
A inflação do presente nubla o essencial. A revista velha nos devolve um momento congelado, onde o ontem ainda mostra-se como presente e por isso captamos como ele se via superestimado. Porém, não é apenas o passado, mas porque já vivíamos, como seguimos fazendo, percebendo a realidade um tom acima. Somos assim, tentamos fazer uma narrativa épica onde às vezes só há repetição, inventamos uma densidade histórica para as banalidades. Uma tentativa de viver numa época especial; afinal, é a que nos tocou. Recentemente, vejo muita gente opinando que vivemos a maior crise econômica e política da história do Brasil. Bom, se você não estudou História, é mesmo.