Por algum motivo muito curioso, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, vinha falando em tom positivo sobre a troca de mando no governo americano. Estranho, não? Maduro aceita bem Donald Trump, um presidente com discurso misógino, chauvinista e xenófobo, com visão protecionista e nacionalismo ferrenho. Por outro lado, Maduro jamais aceitou Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, democrata de raiz, que fez história ao reatar as relações com Cuba e criou um plano de saúde para os americanos pobres.
Tão estranho assim? O parágrafo acima abriria um longo debate.
Mas vamos adiante, porque os próximos capítulos tendem a ser bem tensos. Agora, parece que a trégua com Trump vai derretendo como a calota polar. O governo americano impôs sanções ao vice-presidente venezuelano, o ultrachavista Tareck el-Aissami, por sua suposta participação no tráfico internacional de drogas. Entre outras medidas, está a drástica decisão de retirada do visto para ir aos EUA. O decreto do Departamento do Tesouro americano resulta de investigação que já se estendia há anos e que deve tensionar ainda mais as relações entre Washington e Caracas. El-Aissami é o mais alto funcionário do governo venezuelano a sofrer sanções dos EUA.
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A medida do governo americano atinge ainda 13 companhias de propriedade ou controladas pelo empresário Samark José López Bello, descrito pelos EUA como a principal operador da lavagem de dinheiro promovida por El-Aissami. Cidadãos e empresas americanas estão proibidos de fazer negócios com Lopez e El-Aissami, que também foram proibidos de entrar nos EUA.
Horas depois do anúncio de sanções, El-Aissami, as rejeitou, classificando-as de "agressão miserável e infame". "Pessoalmente, recebo esta miserável e infame agressão como um reconhecimento da minha condição de revolucionário anti-imperialista. VENCEREMOS", escreveu El-Aissami no Twitter, respondendo ao anúncio do congelamento dos bens que possa ter em território americano.
O Departamento do Tesouro dos EUA acusa o vice-presidente de facilitar, proteger e monitorar carregamentos de drogas da Venezuela com destino ao México e EUA, enquanto era ministro do Interior (2008-2012) e governador do Estado de Aragua (2012-2017). Lopez Bello, de acordo com versões apresentadas à imprensa pelo sócio de El-Aissami, foi incluído nas sanções.
Mas o vice-presidente sustenta que a medida é um ataque contra o governo de Maduro, cuja popularidade está abalada por uma grave crise, com escassez aguda de alimentos e medicamentos (80% dos produtos da cesta básica) e uma inflação projetada pelo FMI em 1.660% para 2017.
"Essas provocações miseráveis não devem nos distrair da nossa principal tarefa, que é acompanhar @NicolasMaduro na recuperação econômica", disse El-Aissami. "Vamos nos concentrar nas prioridades do governo revolucionário: a recuperação econômica e o crescimento e assegurar a paz e a felicidade social".
Entenda por que El-Aissami é o vice-presidente escolhido por Maduro para a eventualidade de deixar o poder e ter, no seu lugar, alguém de confiança, fazendo de qualquer impedimento uma derrota praticamente inócua. Detalhe importante: na Venezuela, o vice não é eleito, mas escolhido como um ministro.
El-Aissami, advogado de 42 anos e vice-presidente desde 4 de janeiro, teria supostamente recebido pagamentos do narcotraficante venezuelano Walid Makled, e teria ligações com o violento cartel mexicano Los Zetas, denunciaram os EUA, que já indiciaram por tráfico de drogas outras autoridades do governo venezuelano. Maduro deu a ele vários poderes, incluindo o de expropriar bens e nomear vice-ministros, ao mesmo tempo em que dirige o chamado comando "antigolpe", responsável pela prisão de meia dúzia de opositores do governo.
O ministro do Interior, Nestor Reverol, ex-diretor do Escritório Nacional Antidrogas (ONA), foi acusado em agosto de 2016 por um tribunal federal de Nova York por supostamente receber pagamentos de traficantes de drogas. Em maio de 2015, o jornal The Wall Street Journal informou que as autoridades americanas também estavam investigando Diosdado Cabello, um dos mais poderosos líderes do chavismo, por supostas ligações com o tráfico de drogas.