O 14 de Julho, dia nacional da queda da Bastilha, em pleno verão europeu, é um feriado de festividades em toda a França. Em 2016, a data foi marcada pela tragédia e para sempre manchada de sangue no calendário: 86 mortos e mais de 400 feridos no atentado terrorista praticado com um caminhão na avenida à beira-mar da cidade de Nice, no Mediterrâneo. Após os terríveis ataques sofridos em 2015, os franceses atravessaram o ano, mais uma vez, sob a constante ameaça terrorista. Houve ainda o assassinato de um policial e de sua mulher, em Magnanville, e a execução do padre Jacques Hamel na igreja de Saint-Étienne-du Rouvray. E qualquer violência ocorrida nas vizinhanças – como em março, em Bruxelas, e em dezembro, em Berlim – ecoa por aqui, reavivando todos os temores. O estado de emergência, com um nível elevado de vigilância antiterrorista, tem sido consecutivamente prorrogado. E o turismo no país mais visitado do mundo amargou uma drástica queda, de quase 10% no ano, levando as autoridades a reagir para evitar a sangria.
A onda de choque terrorista promovida pelo Estado Islâmico (EI), entre tantos efeitos colaterais, influiu também no debate político e nas perspectivas paras as eleições presidenciais francesas, marcadas para abril e maio de 2017. Os temas em torno da identidade nacional e da segurança interna e externa se tornaram prioritários, favorecendo o conservadorismo mais radical e a extrema-direita. Hoje, os prognósticos apontam para a presença de Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), no segundo turno do pleito. Seu mais provável adversário seria François Fillon, representante da direita tradicional, pela sigla Os Republicanos. As primárias da direita enterraram de vez as ambições do ex-presidente Nicolas Sarkozy. E com um tímido crescimento econômico, um elevado índice de desemprego e um recorde de impopularidade no saldo de seu quinquênio no Palácio do Eliseu, o presidente socialista François Hollande desistiu de brigar por um segundo mandato. A esquerda, desunida e em crise existencial, procura recompor forças e uma nova identidade para não fazer feio nas urnas no ano que vem. As eleições primárias que determinarão o nome do campo esquerdista ocorrerão no final de janeiro, entre sete candidatos, entre eles o ex-primeiro-ministro Manuel Valls. Corre por fora o jovem ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, que optou por concorrer de forma independente.
Em 2016, aumentaram as discussões sobre um controle mais rígido das fronteiras, a renegociação do Espaço Schengen (a zona de livre circulação na Europa) e uma maior vigilância dos indivíduos fichados como suspeitos de radicalização islâmica. Há o temor onipresente de que terroristas potenciais se incrustem em meio aos refugiados que desembarcam diariamente no país. A crise migratória foi alvo de todas as atenções na França – e na Europa em geral –, traduzida nas milhares de pessoas que desertam regiões de conflito na África e no Oriente Médio. Particularmente, a longa guerra civil na Síria (simbolizada em 2016 pela imagem do menino Omran Daqneesh, cinco anos, coberto de cinzas e de poeira no assento traseiro de uma ambulância, ferido na cabeça durante bombardeio em Aleppo), na qual a França intensificou sua participação como integrante da coalizão internacional, deflagrou uma vaga de refugiados rumo a países europeus. O governo francês desmantelou a tristemente célebre "Jungle" (selva), área nos arredores de Calais que acolhia uma multidão de migrantes com o objetivo de alcançar clandestinamente a Inglaterra. E a prefeitura de Paris inaugurou um novo centro de alojamento para receber refugiados acampados pela cidade.
Neste ano, os franceses, como de hábito, não pararam de descer às ruas por novas reivindicações. A maior mobilização, que se estendeu por cerca de cinco meses, se deu em protesto contra nova legislação trabalhista. Em passeatas, organizações sindicais, trabalhadores e estudantes afrontaram-se com policiais; e a lei, que pregava uma maior flexibilização do emprego, acabou sendo aprovada sem o voto parlamentar, via decreto do Executivo, e bastante alterada em relação a sua versão original.
No rastro das manifestações, surgiu em cerca de 60 cidades o movimento de contestação cidadã Nuit Debout (noite em pé): jovens permaneciam em vigília noturna em praças públicas para debater formas alternativas de participação política. A ação de militantes, ativistas e curiosos, no entanto, acabou perdendo o fôlego inicial e não perdurou.
Entre as insólitas controvérsias, destacou-se a proibição do burkini – vestuário de praia islâmico que deixa visível apenas o rosto, as mãos e os pés –, pela "defesa da laicidade" e sob acusação de "perturbação da ordem pública" por encarnar "um símbolo do extremismo islâmico". Mas a interdição lançada por prefeitos acabou suspensa pela Justiça.
No esporte, os franceses viveram uma decepção na Eurocopa 2016, disputada em casa. A competição foi um um sucesso em termos de segurança, mas, no gramado, a seleção nacional perdeu o título para Portugal, com um gol na prorrogação.
O medo aumentou e a segurança recrudesceu, mas a vida continua nos bares e nos cafés e na intensa agenda cultural. Paris aglutina esforços para trazer de volta todos os seus turistas e, embora os tempos sombrios, permanece iluminada.