O Judiciário venezuelano, tomado pelo governo e classificado pelos críticos como "escritório de advocacia do chavismo", acaba de dar uma grande demonstração de incoerência. Um militar foi condenado a 30 anos de prisão pela morte de uma estudante durante protestos contra o presidente Nicolás Maduro. Detalhe: o líder oposicionista Leopoldo López, preso político, está trancafiado e condenado a quase 14 anos de prisão porque seria o responsável pelo evento que resultou na morte de 43 pessoas, a maioria delas, paradoxalmente, oposicionistas vítimas da violência policial. Tudo isso ocorreu entre fevereiro e março de 2014, e López é apenas um entre cem presos políticos, a maioria sob a mesma alegação de incitamento à violência (sic!!!).
Em 19 de fevereiro de 2014, o sargento Albin Bonilla Rojas - integrante da Guarda Nacional - disparou à queima-roupa com uma arma de chumbinho contra Geraldine Moreno, 23 anos, que faleceu três dias depois em um hospital. O incidente ocorreu na cidade de Valencia, no Estado de Carabobo. Dois anos e 10 meses depois, a justiça declarou Bonilla culpado de "homicídio qualificado com premeditação por motivos fúteis, quebras de pactos e acordos internacionais (de direitos humanos), uso indevido de arma orgânica e tratamento cruel", disse o Ministério Público em um comunicado.
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O curioso é que a menina protestava justamente contra a prisão de López ocorrido no dia anterior. Mas, claro, ainda por outros motivos.
O também sargento Francisco Caridad Cardoso foi condenado a 16 anos e 6 meses de prisão por "cumplicidade", acrescentou o texto.
O crime de tratamento cruel está vinculado a ferimentos menores sofridos por outro manifestante durante os incidentes.
E a Venezuela continua em meio ao caos, com 80% de desabastecimento dos produtos da cesta básica (remédios e alimentos), inflação superior a 400% em 2016, violência comparável à de países em guerra e ruptura institucional.
A ronha do Mercosul
Enquanto isso, continua a polêmica do Mercosul. Em Havana, Maduro afirmou que "ninguém" vai tirar seu país do Mercosul e denunciou um "plano retrógrado" da "tríplice aliança de governos da extrema direita", em referência a Brasil, Argentina e Paraguai.
- Nada ou ninguém vai nos tirar do Mercosul porque o Mercosul pertence aos povos - disse Maduro ao lado do colega cubano, Raúl Castro, em ato pelo 12º aniversário da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA).
Maduro afirmou que a "presidência temporária" de seu país "foi ignorada pela tríplice aliança de governos de extrema direita, que adota a mesma visão de ódio e intolerância promovida pelo plano Condor nas ditaduras" latino-americanas nos anos 70 e 80 (tríplice aliança foi o consórcio brasileiro, argentino e uruguaio que combateu e dizimou o Paraguai no final do século 19, referência que provoca profundo desconforto entre os paraguaios).
- A extrema direita intolerante, ao invés de buscar o fortalecimento do Mercosul, adotou um plano retrógrado de destruição e divisão - acrescentou Maduro.
A Argentina assumiu na quarta-feira a presidência rotativa do Mercosul, em detrimento da Venezuela, em reunião extraordinária de chanceleres do bloco em Buenos Aires. Apesar da decisão dos fundadores do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - a Venezuela insiste que Caracas se mantém na presidência do bloco. A suspensão imposta aos venezuelanos foi aplicada por não haver incorporado à sua legislação uma série de medidas comerciais e políticas, incluindo o respeito aos direitos humanos.