Sim, eu vi com meus próprios olhos e me emocionei muito ao presenciar, em especial, crianças gravemente doentes, com alto prognóstico de cura caso tivessem determinado medicamento oncológico corriqueiro em qualquer país - mas sem tê-lo na Venezuela, o que provocava martírio e corregia de gincana dos pais. Pensei muito nisso ao ler que, agitando receitas médicas, centenas de venezuelanos participaram em um protesto na capital Caracas para exigir do governo que permita a entrada de medicamentos doados ao país.
A escassez de remédios e alimentos faz parte da agenda de diálogos entre o governo e a coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), que busca resolver a grave crise política e econômica do país. Convocada pelo Partido Primeiro Justiça, a manifestação chegou até a Nunciatura Apostólica, onde seus participantes prenderam as receitas em uma grade, na esperança de que alguma autoridade lhes dê uma resposta. O Vaticano promove as negociações com o governo junto à União das Nações Sul-americanas (Unasul).
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Em vídeo, o que vimos na Venezuela
Nelson Álvarez, corretor imobiliário e um dos muitos manifestantes que choram, desesperado por ver o fillho sofrer convulsões por falta de medicamento, explica que o rapaz de 29 anos sofre da Síndrome de Lennox Gastaut, uma das variações mais severas da epilepsia.
- Ocasiona retardamento mental e mais de cem convulsões diárias. Precisamos de quatro remédios e não achamos em lugar algum! Ajuda humanitária já! - grita o homem junto aos manifestantes que tomaram o centro ontem à noite.
Luisa Morales também se uniu ao protesto com seu neto de seis meses nos braços, pois precisa de remédios para vários de seus familiares.
- Tenho um irmão operado de um tumor na cabeça, uma sobrinha com problema de tireóide e nem para esse bebê consigo as vacinas de que precisa. A Constituição nos garante saúde, e o presidente Nicolás Maduro a tira de nós porque não quer ajuda internacional - critica.
A Venezuela enfrenta uma aguda escassez de medicamentos que, segundo a Federação Farmacêutica local, alcança incríveis 85%.
O desabastecimento se viu agravado por uma drástica redução das importações por causa da queda dos preços do petróleo. O governo nega que na Venezuela haja crise humanitária, como denuncia a MUD, e afirma que esse argumento visa abrir caminho para uma intervenção militar dos Estados Unidos.
Durante o protesto, dirigentes opositores se reuniram com o núncio apostólico Aldo Giordano, a quem pediram que o Vaticano interceda para que o governo aceite os medicamentos doados pela organização católica Cáritas. Também pediram que seja criado um fundo complementar com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para que cheguem medicamentos à Venezuela. A oposição igualmente pediu que se aceite a doação de remédios de venezuelanos residentes no Exterior e propôs aos países da União Europeia (UE) ou qualquer outro lugar possam "adotar um hospital" na Venezuela" para equipá-lo apropriadamente.
Preso político libertado
A Justiça venezuelana libertou ontem à noite o deputado suplente Rosmit Mantilla, preso desde 2014, cuja liberação havia sido mencionada como parte dos acordos entre governo e oposição no diálogo mediado pelo Vaticano.
"Informo ao país que há poucos minutos assinei meu documento de liberação. Muito obrigado Venezuela pelo apoio", escreveu ele em sua conta no Twitter.
Mantilla havia sido detido em 2 de maio de 2014 e permanecia na sede do Serviço Bolivariano de Inteligência, em Caracas. Na semana passada foi transferido para a emergência do Hospital Militar, de acordo com líderes da coalizão de oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD). Mantilla foi detido após protestos da oposição que tentavam pressionar pela renúncia do presidente Nicolás Maduro. As manifestações deixaram 43 mortos entre fevereiro e maio de 2014 - a maioria das vítimas eram de oposição. Em condições similares foram detidos Enzo Prieto e Gilberto Sojo. Os três foram incluídos na lista do partido Vontade Popular para as eleições legislativas de 2015.
O fundador do partido, Leopoldo López, cumpre uma pena de quase 14 anos de prisão, condenado pela acusação de incitar a violência nas manifestações de 2014. É o mais conhecido preso político do país.
No início do mês, o presidente do parlamento de maioria opositora, Henry Ramos Allup, havia mencionado a possível libertação dos três deputados suplentes, assim como do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma - sob prisão domiciliar, também por supostamente incitar a violência - e do dirigente Yon Goichoechea. O anúncio foi o resultado das conversações iniciadas entre o governo e a MUD em 30 de outubro para tentar solucionar a grave crise política e econômica, com acompanhamento do Vaticano e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Um dia depois do início do diálogo foram liberados cinco opositores presos, nenhum de grande destaque. A MUD exige a libertação de mais dos cem presos políticos existentes no país.
Um apelo
Um dos delegados da oposição venezuelana no diálogo com o governo pediu aos mediadores do Vaticano e da Unasul veemência para o governo cumprir o acordado.
- Exigimos aos mediadores que honrem as calças, que tenham clareza e cumpram o acordado - disse o negociador Carlos Ocariz.
Maduro e a MUD anunciaram no sábado um plano para resolver a grave crise política e econômica, após uma segunda rodada de negociação.