Passados quase quatro meses do Brexit, o referendo que indicou a preferência da população do Reino Unido pela saída da União Europeia, os ânimos voltaram a esquentar por aqui.
A semana que passou foi de um assustador e desastrado anúncio de primeiras medidas do governo. Assustador porque, depois de tanto silêncio, elas saíram mais radicais do que se esperava. E desastrado porque nenhuma saiu como o planejado – aliás, como tudo que envolve o Brexit.
O outono no Reino é tradicionalmente a temporada das conferências anuais dos partidos políticos. Do lado trabalhista (oposição), o esforço do líder Jeremy Corbyn, com pouco sucesso, foi tentar reunificar um partido com quase tantas facções quanto integrantes.
Do lado conservador (situação), a primeira-ministra Theresa May também tentou unificar as turmas. No seu partido, pelo menos, uma unificação mais simples: os pró-Europa e os pró-Brexit. Como, desde que assumiu o cargo, May não havia anunciado nada de concreto, afora afirmar que "Brexit significa Brexit", foi nessa conferência que ela decidiu marcar a estreia.
O reino fora
Theresa May anunciou que ativará até março de 2017 o artigo 50 do Tratado de Lisboa, o que inicia oficialmente a retirada do país do bloco econômico. Tudo dando certo, o Reino Unido estaria fora em dois anos. É a primeira vez que a premier coloca uma data. Até aí, tudo bem. O pior estaria por vir no dia seguinte desse discurso.
Para fora do reino
Amber Rudd, a ministra do Interior, anunciou uma série de medidas para diminuir o número de imigrantes mesmo antes de o Brexit começar. Entre elas, estaria um controle de empregados estrangeiros.
As empresas, ainda sem prazo definido, devem listar primeiramente os empregados não britânicos (sem levar em conta os europeus). Mais tarde, seria pedida uma lista dos europeus. A reação a tal "lista da vergonha" ou "lista xenófoba", como passou a ser chamada pela oposição, foi imediata. A repercussão negativa foi tamanha, que o governo já está praticamente voltando atrás. Rudd ocupa o mesmo ministério que Theresa May tinha quando David Cameron era premier. Diversos dirigentes de empresas e políticos criticaram a medida, comparando-a ao nazismo.
Jubilamento
A segunda medida reguladora foca nos vistos de estudantes. O governo irá dificultar vistos para alunos de instituições de menos prestígio acadêmico. Ainda não foi explicitado o plano, mas a ministra adiantou:
– Queremos ver o que podemos fazer para dar mais apoio às melhores universidades e atrair os melhores talentos. E criar regras mais duras para estudantes em cursos de menor qualidade.
Desta vez, foram os reitores das universidades que reclamaram, já que alunos não britânicos pagam anuidades quase duas vezes mais caras.
Tiro no pé
O prefeito de Londres, Sadiq Kahn, foi obrigado a se manifestar para acalmar os ânimos e baixar o índice de insatisfação, principalmente nas redes sociais. Esta série de medidas foi apelidada de "hard Brexit" algo como um "Brexit linha-dura" pelos comentaristas políticos. Mas, com as reações extremamente negativas, até da imprensa conservadora, ganhou novo apelido, o "Brexit Caótico".
Sai ou não sai esse Brexit?
Há quem ainda insista na teoria do marketing radical contrário, ou seja: Theresa May só está fazendo todo esse discurso impopular, que nem mesmo os brexistas mais apaixonados esperavam, para depois obter a reação contrária e ser "obrigada" a adotar medidas mais brandas.
Mas é bom não duvidar. Desde o dia 23 de junho, data do referendo, e nos 20 dias que se seguiram, o Reino Unido viveu uma sequência de acontecimentos nunca esperados. Ganhou o resultado que poucos apostavam, o "sim" (pela saída da UE), o primeiro-ministro renunciou, o candidato mais cotado para substituí-lo desistiu minutos antes, traído pelo parceiro mais próximo. Por isso, na terra da rainha, ninguém duvida do que está por vir. Nem que o tal Brexit seja outro e nem mesmo este que foi apresentado na semana passada.