Em dezembro de 2013, foi-se Nelson Mandela, homem que deixou à humanidade o inequívoco legado da paz. O mundo chorou, mesmo sabendo que, em outros contextos, ele aderira à mesma violência que depois combateu com as palavras do bom senso. Talvez seja Mandela o maior exemplo do que este texto quer dizer ao lamentar profundamente a morte de um herói, raro protagonista que tinha interesse sincero na pacificação de uma das regiões mais conflagradas do mundo. Nobel da paz em 1994 (com Yitzhak Rabin e Yasser Arafat), Shimon Peres morreu, aos 93 anos, na madrugada desta quarta-feira. Agências de notícia falam no luto de israelenses e judeus em geral, que o veem como herói, e, também, na indiferença de alguns palestinos que o recordam como vilão.
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O fato é que, se olharmos a questão israelense-palestina pela ótica descontaminada das posturas dos atuais agentes políticos, constataremos facilmente que a solução, em tese, seria simples: dois Estados, com o traçado anterior a 1967 já bem definido, para dois povos que têm motivos históricos, culturais, afetivos e arqueológicos de sobra ao reivindicar territórios que argumentam ser seus. O que faltaria, então? Claramente, a vontade política de fazer o certo, que é o estabelecimento de dois Estados soberanos e seguros.
E é aí que cresce o abismo representado pela falta de um Shimon Peres. Curiosamente, ele nos deixou no dia seguinte à assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e a principal guerrilha daquele país. Ora, você dirá que uma coisa nada tem a ver com a outra. Tem, sim. O acordo colombiano foi celebrado pela sua importância e pelo exemplo que representa ao superar ressentimentos, ódios e intransigências pontuais. Familiares de vítimas, aos milhares, o festejaram como a perspectiva de um país pacificado. O líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) disse que queria o mesmo para, por exemplo, "Israel e Síria". Peres queria isso, assim como Arafat e Rabin, igualmente depois de décadas dedicados às armas, também quiseram.
Por tudo isso, lamentemos a morte de um grande homem. Judeus, muçulmanos, cristãos, israelenses, palestinos, todos perdemos muito com sua ausência. Em Israel, ontem, emissoras de rádio e TV interromperam sua programação habitual para divulgar boletins de notícias alternados e imagens de arquivo dos anos 1950, acompanhados de música composta nos kibutzim ou pelos pioneiros que chegaram com a criação do Estado de Israel, em 1948. Os israelenses mergulharam em sua história. Peres era o último fundador que restava do Estado judeu originário, um Estado que se militarizou em razão das contingências, mas que gente como ele queria ver com os princípios fundacionais, francamente generosos, de acolhimento e convivência pacífica.