O acordo de paz anunciado e festejado com balões brancos e bandeiras da Colômbia na semana passada dá ao mundo um sinal de reconciliação e concórdia em meio a extremismos, intransigências e violências disseminadas. Por outro lado, é uma ponte construída que mantém um mistério na outra margem do rio. A figura de linguagem é do professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Antônio Jorge Ramalho.
– É muito positivo, mas temos de ver o que vem pela frente. Há desafios. A reconciliação da sociedade colombiana é uma grande notícia. Agora, veremos como se reorganizam os militares e até a economia. Famílias que viviam em acampamentos terão de se reacomodar. A acetona que era importada pela Colômbia em grandes quantidades, inclusive do Brasil, não era apenas para tirar esmalte – diz Ramalho, referindo-se ao produto químico que, com o éter, é utilizado para o refino da cocaína.
"Neste 29 de agosto começa uma nova história para a Colômbia. Silenciamos os fuzis. "A GUERRA COM AS FARC ACABOU!", escreveu o presidente Juan Manuel Santos no Twitter um minuto depois da entrada em vigor do cessar-fogo e do fim das hostilidades. Também pelo Twitter, as Farc se manifestaram: "A partir deste momento começa o fim bilateral e definitivo."
Desde a meia-noite (2h de Brasília) de hoje, está em vigor o cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo, ordenado conjuntamente por Santos à força pública e pelo líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Timoleón Jiménez, "Timochenko", às suas tropas. É o encerramento de quase quatro anos de negociações em Cuba. Um confronto bélico de 52 anos fica na poeira da história e põe a Guerra Fria ainda mais remota.
Christoph Harnisch, chefe da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia, também festeja o "grande passo dado", mas lembra a "reconfiguração de estruturas" e diz:
– O acordo é um feito histórico para a Colômbia. Porém, é importante insistir em que mais de cinco décadas de conflito armado interno deixaram marcas na sociedade, sobre as quais é necessário trabalhar. Aliviar o sofrimento dos familiares de pessoas desaparecidas, dos afetadas por minas e artefatos explosivos e das pessoas privadas de liberdade continuariam sendo prioridades para o CICV e uma responsabilidade que vai além.
O fato é que a Colômbia dá os primeiros passos em direção à reconciliação nacional. Ciente das dificuldades do "pós-cconflito" (leia quadro ao lado) O referendo legitimizador foi programado para 2 de outubro, e o presidente Juan Manuel Santos ordenou às forças armadas o cessar-fogo definitivo com a guerrilha a partir de hoje.
– Termina, assim, o conflito com as Farc! – anunciou Santos, artífice das negociações de paz iniciadas em novembro de 2012, sendo aplaudido no Congresso ao levar o texto de 297 páginas e seis pontos.
O referendo deverá ter a participação de 4,4 milhões de eleitores a favor (13% do eleitorado) – e, claro, esse contingente não poderá ser superado pelos votantes do "não".
– As Farc estão renunciando à violência como via para alcançar o poder, e o governo faz parte da sociedade se reincorporar à vida civil. É o fim da via militar. A Colômbia tem a oportunidade real de virar a página – diz o diretor do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac), Jorge Restrepo.
O historiador Carlos Malamud vê dificuldades pela frente:
– Finalmente, tudo ficou acertado. O nó foi desfeito depois de quatro anos. Poderia ter ido mais longe em termos de punições, mas é o que temos, e é o suficiente para encerrar de vez o conflito. Agora começa o mais difícil. Serão postos sobre a mesa, agora, os desafios mais duros, que é pôr tudo em prática.
As repercussões são intensas. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, telefonou para Santos. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a representante da União Europeia, Federica Mogherini, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, e o secretário-geral da União das Nações Sul-americanas (Unasul), Ernesto Samper, definiram o acordo como "histórico".
O DOCUMENTO
O presidente Juan Manuel Santos entregou o acordo, embrulhado em fita com as cores azul, vermelha e amarela da bandeira colombiana, ao presidente do Congresso, Mauricio Lizcano. Alguns pontos controversos:
Haverá anistia geral para quem cometeu crimes menores, como roubos sem morte e extorsões.
- Serão julgados apenas quem cometeu crimes de lesa-humanidade (assassinato, tortura, sequestro, estupro e recrutamento de menores), e mesmo estes poderão ter a pena amenizada.
- Quem confessar algum desses delitos será punido com cinco a oito anos de "restrição de liberdade". Irão para áreas de movimentação limitada e sob vigilância, mas não para prisões comuns.
- Quem não confessar, mas for considerado culpado pela Justiça transicional, pode ser condenado às penas regulares de até 20 anos, em prisões comuns.
- O governo distribuirá dinheiro para auxiliar a reinserção dos guerrilheiros à sociedade. Por 24 meses, os desmobilizados receberão 90% de um salário mínimo mensal.
- Dois anos depois, se não voltarem a cometer delitos, estiverem matriculados em algum curso e trabalharem em projetos comunitários, receberão algo como R$ 9 mil para reconstruírem suas vidas.
- Os ex-guerrilheiros das Farc poderão formar um partido e concorrer em eleições locais e nacionais, já em 2018. Receberão anualmente, até 2026, verba fixa de ajuda do Estado.
- Os ex-guerrilheiros terão número fixo de vagas no Senado e na Câmara, cinco em cada casa. Caso não consigam preenchê-las nas eleições, o Estado permitirá que as antigas Farc indiquem ocupantes.
- Essa transição ocorrerá até 2022. A partir desse ano, o partido das Farc ocupará cadeiras no Congresso apenas se seus representantes forem eleitos diretamente.
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Números
O acordo pactuado com a maior guerrilha da Colômbia, surgida de uma revolta camponesa em 1964, permitirá superar um confronto que envolveu também paramilitares de direita e forças estatais, com
260 mil
mortos,
45 mil
desaparecidos e
6,9
milhões
de deslocados