Tudo passa pelo referendo revogatório e, claro, lela libertação dos mais de 90 presos políticos existentes hoje na Venezuela. Mas, pelo menos, há aqui um sinal: a oposição venezuelana se disse disposta a iniciar um diálogo com o governo assim que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ativar um referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro.
Após admitir que o governo cedeu a várias de suas exigências graças à mediação internacional, a oposição informou, em um comunicado, que se sentará à mesa quando for dado sinal verde para a consulta e quando se estabelecer uma data para a coleta de cerca de 4 milhões de assinaturas.
"Esperamos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e declaramos que, superado esse pedido, estamos dispostos a iniciar um diálogo efetivo e construtivo", declara a nota da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).
O CNE deve anunciar, na próxima terça-feira, se a MUD conseguiu validar cerca de 200 mil assinaturas para ativar a consulta. Representante do governo na tentativa de aproximação, a chanceler Delcy Rodríguez afirmou em sua conta no Twitter que, se a oposição pretende discutir sobre o referendo, serão apresentadas "inúmeras provas da megafraude cometida pela MUD". Ou seja, os sinais de diálogo ainda tem alguns obstáculos bastante concretos.
A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) promove o diálogo entre o Executivo e a aliança opositora a fim de buscar soluções para a crise política e econômica do país. Na quinta-feira, o presidente da Unasul, Ernesto Samper, disse que o governo aceitou que o Vaticano acompanhe a mediação, da qual já participam os ex-presidentes José Luis Rodríguez Zapatero (Espanha), Leonel Fernández (República Dominicana) e Martín Torrijos (Panamá).
A oposição acrescentou que se sentará para conversar com o governo "na data em que os ex-presidentes e o Vaticano convocarem".
Já o governo resistiu inicialmente, mas enfim teria concordado em "mudar o local de reunião, diferente da República Dominicana", onde foram realizados os primeiros encontros entre as partes e os mediadores. Por outro lado, descartou a presença da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O referendo revogatório é um instrumento constitucional e de uso político, previsto pela Constituição com um "recall" do governo em meio ao mandato - o mandato é de seis anos, e o referendo pode ser promovido no terceiro.
Sobre os presos políticos, já houve alguns avanços. "Esperamos que, nos próximos dias, continuem as libertações e haja o compromisso do governo com os mediadores para terminar de libertá-los nos primeiros 15 dias depois de iniciado o diálogo", declara o comunicado oposicionista.
A MUD espera que o referendo ocorra ainda este ano, já que, se o presidente perder, haverá novas eleições. Se for realizado depois de 10 de janeiro de 2017, mesmo sendo derrotado, o mandato que termina em 2019 será concluído pelo vice-presidente, designado por Maduro a qualquer instante - como um simples ministro no Brasil. Havia fortes rumores segundo os quais Maduro colocaria a própria mulher, a procuradora Cilia Flores, para encerrar o mandato. A fragmentação existente hoje no chavismo, porém, torna a hipótese mais remota.
Reportagem especial sobre a Venezuela 1
Reportagem especial sobre a Venezuela 2
Reportagem especial sobre a Venezuela 3
Em vídeo, o que vimos na Venezuela
Leia mais colunas de Léo Gerchmann
Chavista relativiza crise venezuelana
Enquanto os primeiros sinais de diálogo são dados, a audiência de apelação do opositor venezuelano Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão, terminou durante a madrugada deste sábado. López é mantido numa solitária e dificilmente recebe visitas. O caso é tido como um grande drama humanitário.
O advogado de López, Juan Carlos Gutiérrez, disse que, a partir de agora, a Justiça venezuelana tem 10 dias para responder à apelação do seu cliente.
- Não resta mais do que esperar justiça e ter muita fé em toda a argumentação. Confiamos na lei, nos argumentos, na inocência de Leopoldo López e essa é a sentença que deve ser dada - diz o advogado.
López se declarou inocente durante a longa audiência, no centro de Caracas.
- Sou inocente dos crimes atribuídos a mim pelo Ministério Público. Assumo minha responsabilidade plena de ter denunciado o Estado venezuelano como corrupto, deficiente, antidemocrático e repressor - disse López na audiência, conforme gravação divulgada em sua conta no Twitter.
- Assumo minha plena responsabilidade de ter convocado o protesto pacífico, nos termos estabelecidos pela Constituição, como é meu direito e direitos dos venezuelanos de fazê-lo - acrescentou o líder opositor venezuelano.
López, 45 anos, foi condenado em setembro de 2015 por incitação à violência nos protestos que pediam a renúncia de Maduro, entre fevereiro e maio de 2014, e que deixaram 43 mortos, em sua grande maioria vítimas da repressão. Ele está detido na prisão militar de Ramo Verde, na periferia de Caracas.
As autoridades permitiram o ingresso no Palácio da Justiça apenas da mãe do réu, Antonieta Mendoza, e de Gutiérrez, o advogado venezuelano. Os assessores espanhóis da defesa não tiveram acesso à sessão.
Do lado de fora da Corte, inúmeros seguidores se manifestavam, carregando fotos do opositor e cartazes com frases como "Leopoldo - Liberdade já" e "Querer uma Venezuela melhor não é crime".
A defesa do dirigente radical alega que López foi condenado por motivos políticos e que as provas foram manipuladas, violando seu direito à defesa.
Leopoldo López se tornou símbolo dos opositores venezuelanos presos - pelo menos cem, segundo a oposição. Entre eles estão o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, e o ex-prefeito de San Cristóbal (oeste) Daniel Ceballos.