Vivem-se dias eletrizantes no Reino Unido. Não interessa de que lado você esteja nesta discussão, há muita confusão e apenas uma certeza: algo mudou para sempre por aqui. No calor dos acontecimentos, o referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia é definido como o maior fato desde a queda do Muro de Berlim. Num país onde a política andava no ritmo compassado dos abanicos da rainha, o Brexit incendiou e dividiu.
A votação colocou a população mais jovem, de mais alto grau de escolaridade e vivendo nos maiores centros urbanos, contra o morador de áreas rurais e do centro-norte do país – região tradicionalmente industrial e com voto nos trabalhistas, mas que se debate com uma longa crise e com o desemprego, e sofre em achar uma nova vocação. Este britânico fez um voto de protesto. É para esse britânico que os conservadores não deram bola. O triste é se dar conta de que o Brexit, ao menos a médio prazo, não é solução para eles.
A saída do bloco derrubou um primeiro-ministro, ou ele mesmo se derrubou quando convocou o referendo para apaziguar os ânimos do eurocéticos do seu partido (Conservador). David Cameron pagou para ver e seu deu mal. Entra para a história como o premier que saiu do bloco sem querer ter saído.
Desde a manhã de sexta-feira, 24 de junho, o Brexit é só incertezas, numa nação que não lida bem com o improviso.
Personagens da crise
Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, a cara do Brexit, apesar de ser do mesmo partido de David Cameron, entrou na campanha do referendo de olho no cargo de primeiro-ministro. A três horas do anúncio de sua candidatura, levou um xeque-mate do seu braço direito, o ministro Michael Gove, que também decidiu concorrer. Boris desistiu. Até então político popular na Europa, ele vê seus livros jogados no lixo, e os vídeos, postados nas redes sociais. Foi vaiado recentemente em uma livraria. Dois slogans povoam as ruas: "No Borders, No Boris" (Sem fronteiras, sem Boris) e "ABB: Anyone But Boris (Qualquer um menos Boris)", contra a sua candidatura a primeiro-ministro. Até o chef Jamie Oliver curtiu.
– Michael Gove, ministro da Justiça, segundo homem forte do Brexit, tornou-se um dos principais candidatos a primeiro-ministro. Vive uma saia justa. Faz parte do governo, mas mal fala com Cameron. Era amigão do premier e padrinho do filho de Cameron morto em 2009.
– Se os conservadores não se entendem, na oposição é ainda pior. O até então líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, trotskista, está sendo pressionado a renunciar desde o Brexit. Ele não consegue manter as facções do partido unidas.
– Incidentes xenofóbicos já pipocam em cidades do Reino Unido. Políticos mais experientes temem atos de violência.
– A maior crítica à campanha do Brexit era não apresentar propostas concretas de como ficariam situações do dia a dia do cidadão, entre elas o livre trânsito de europeus. Seus líderes continuam sem apresentar uma proposta concreta sobre qualquer assunto. Aliás, nem seus líderes são mais os mesmos.
Melancolia sem tristeza
Muita brasilidade, sem um pingo de estereótipo. A medida, difícil de alcançar, é exatamente com o que você depara ao entrar na recém-inaugurada exposição The radio was always on in the kitchen (O Radio estava sempre ligado na cozinha), do brasileiro Guilherme Dable.
Em sua primeira individual em Londres, depois de duas coletivas na cidade e uma em Nova York, o gaúcho expõe três trabalhos, um desenho/instalação e dois vídeos, na incensada galeria Belmacz, no bairro de Mayfair.
– O que me interessa é falar de um outro Brasil, que não é Zona Sul, é o Brasil cozinha, que é imenso – explica o artista, diante do grande painel de desenhos e colagens lembrando o padrão dos azulejos dos anos 1970, de onde brotam folhagens feitas em papel, tudo embalado por canções de Roberto Carlos e Ritchie, entre outros – clássica trilha das cozinhas brasileiras. O resultado é uma instalação de beleza melancólica e boa pitada de humor, quando em harmonia com a música.
Guilherme, uma década de carreira, apresenta ainda dois trabalhos em vídeo, um deles em que a água fervendo numa chaleira é a música e ele faz as vezes de um DJ de chaleira.
A exposição fica em cartaz até setembro.