Londres caminha em passeatas pacíficas e ainda um pouco incrédula contra o resultado do plebiscito pela saída da Comunidade Europeia. Mas Londres não é a Inglaterra, muito menos o Reino Unidos. Por isso, por mais que cheguem notícias de tentativas de novos referendos, o fato é que o Brexit é realidade e não vai ter golpe. Ainda não se viu a tragédia econômica que os contrários à saída alardearam. Para quem vive em solo inglês, o terremoto pode não ter chegado, mas digamos que uns abalos, ou os temores de que eles estão para chegar, já podem ser sentidos. Além do baixo-astral em Londres e das repugnantes manifestações racistas que pipocam nas mais diferentes formas em toda a ilha, muitos de nós, moradores, já temos algum conhecido sofrendo certo reflexo. Famílias francesas, de colegas de escola de amigos, por exemplo, não tiveram os contratos de trabalho renovados. Eles já convidaram para as festas de despedida. Outro conhecido foi demitido da área europeia de um banco que sofreu cortes. Empresas globais de médio porte estão revendo verbas publicitárias em menos 30% para 2017.
A saída é de verdade
E a verdade é que um instituto de pesquisa foi a campo recentemente perguntar para quem votou pela saída como estavam se sentindo quase duas semanas depois. Sabe o que aconteceu? O tal instituto teve dificuldade para encontrar os votantes pró-Brexit, os tais 52%. Nada que surpreenda. Passadas duas semanas da votação, as três principais lideranças políticas que fizeram campanha pela saída simplesmente renunciaram ou foram derrotadas em eleições internas do partido e foram para casa: Nigel Farage, Boris Johnson e Michael Gove. A crítica inicial dessa campanha continua a mesma. Pode-se até discordar de muitos aspectos da União Europeia, mas fica cada vez mais claro: os brexistas não tinham um plano concreto.
Depois do número 10
Há vida pós-Brexit. E, para o casal Cameron, parece que as coisas não serão tão ruins. Samantha, a mulher de David, que havia deixado o cargo de consultora criativa da marca de luxo Smythson, estaria planejando o lançamento da própria grife. David também realizará o sonho de começar a encaminhar o filho nos próprios passos. Os três filhos do casal, duas meninas e um menino, estudam, por uma questão de princípios, em escolas públicas. Liberado da obrigação do politicamente correto, David irá mandar o filho para a melhor escola particular que prepara para o incensado internato masculino de Eton – o mesmo em que Cameron e outros 18 primeiros-ministros estudaram.
Boas-vindas reiteradas
A revista Time Out, guia cultural da cidade que é distribuído gratuitamente às terças-feiras em Londres, publicou um forte editorial solidário aos estrangeiros residentes na cidade e que estão se sentindo rejeitados após o Brexit.
Corrida pela residência inglesa
Gaúcha de São Lourenço do Sul, Francine Mendonça é consultora de imigração no Reino Unido. Há 15 anos, criou e comanda a London Help4U, especializada em aplicação de vistos, pedidos de residência e passaporte britânico. Desde o Brexit, Francine viu a consulta de clientes aumentar em 60%. Para sua empresa, claro, a mudança depois do plebiscito é uma oportunidade de novos negócios. Mas, como moradora do país, ela vê diversos pontos para se preocupar.
Quem são esses clientes mais estressados ós-Brexit?
Pessoas que têm o direito de requisitar a residência, mas nunca se preocuparam com isso, porque não era obrigatório. Famílias inteiras de espanhóis, italianos, portugueses, poloneses.
Um europeu morando há mais de cinco anos não precisava pedir a residência?
Não, mas ele corre o risco de o próximo primeiro-ministro pedir para ele se retirar do país.
Há muitos casos de brasileiros com cidadania italiana, portuguesa, alemã ou espanhola que vieram para a Inglaterra e pretendiam ficar morando aqui. O que muda para essas pessoas?
Depois destes dois anos (prazo estimado do Brexit), vai dificultar muito. Podem ser feitas exigências. Ele pode até vir para cá, começar a trabalhar e se inscrever para uma residência, mas não vai ter direito a uma permanência ou ao passaporte britânico. A Inglaterra vai continuar precisando de mão de obra estrangeira e do europeu. O futuro será o visto de trabalho, que estava cancelado. São vistos para aquelas pessoas sem graduação. Hoje, existe visto de trabalho para aqueles que têm graduação, experiência e inglês fluente. Podem também ser concedidos vistos específicos para europeus, como existiam antes para Austrália e Nova Zelândia. São vistos para trabalho por um ou dois anos, e que não dão direito à residência.
A tendência é dificultar?
E ficar mais caro. As taxas europeias para um visto podem ser, por exemplo, de 65 libras (R$ 325). Enquanto a britânica pode chegar a 1,5 mil libras (R$ 7,5 mil), dependendo do tipo.