A violência progressiva que se constata na Venezuela começa a preocupar o mundo. Este colunista não pode deixar de constatar uma ironia e, por que não dizer, um cinismo do presidente Nicolás Maduro. Todas as agressões ocorreram quando manifestantes oposicionistas caminhavam até o órgão eleitoral para pedir a definição de um cronograma para o referendo revogatório, instrumento previsto constitucionalmente para um "recall" do presidente no meio do mandato. As vítimas das agressões foram oposicionistas, reprimidos pela Guarda Bolivariana. O que diz Maduro? Que os responsáveis são os próprios oposicionistas, as vítimas. E ainda alerta: há lugares ainda na cadeia para os "desordeiros". Claro, ele se refere aos 78 presos políticos condenados por supostamente promover a violência nos enfrentamentos ocorridos em 2014, quando 43 pessoas, praticamente todos oposicionistas, morreram.
Franz Kafka se sentiria humilhado... a realidade venezuelana é muito mais kafkiana que a sua espetacular literatura. Jamais ele pensaria nisso tudo.
Tamanha truculência e a própria existência de presos políticos são apenas um dos elementos a mostrar a Venezuela como, no mínimo, uma democracia imensamente precária. Somam-se a isso alguns outros elementos: estimativa de inflação anual em escandalosos 700%; desabastecimento que já chegaria a 80% dos produtos básicos, em especial alimentícios e medicamentos; ausência total de diálogo entre governo e oposição; mídia estatal, amplamente dominante, tratando o presidente como a própria "pátria" em pessoa. E muitos etcéteras!
Situação, portanto, um tanto quanto complexa.
O secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, manifestou, em Caracas, seu apelo a "todos os atores políticos" venezuelanos para que "se erradique qualquer forma de manifestação violenta como forma de expressão política". Samper rejeitou a agressão sofrida pelo deputado da oposição Julio Borges, na quinta-feira. Durante protesto em frente ao Conselho Nacional Eleitoral, Borges foi atingido com um cano de metal e recebeu socos e chutes. Teve fraturas no rosto e precisou ser operado. "O melhor antídoto contra a violência é o diálogo", insistiu o representante da Unasul.
Ao mesmo tempo, Samper disse confiar em que governo e oposição farão novas reuniões independentes com o grupo de mediadores formado pelo ex-chefe do governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e pelos ex-presidentes Martín Torrijos (Panamá) e Leonel Fernández (República Dominicana). O primeiro-ministro de Aruba, Mike Emam, somou-se ao esforço pelo diálogo na Venezuela, declarando, nesta sexta em Caracas, sua disposição para que seu país sirva como "uma boa ponte de comunicação" entre ambos os grupos políticos.
Ao mesmo tempo os ministros das Relações Exteriores de Brasil, Argentina, Chile e Uruguai lamentaram os episódios de violência ocorridos na Venezuela e pediram respeito ao direito de se manifestar - a manifestação veio a público num comunicado conjunto divulgado nesta sexta-feira.
"Os chanceleres abaixo signatários desejam manifestar que lamentam os fatos de violência registrados em Caracas, onde vários cidadãos, incluindo parlamentares, foram agredidos", diz a nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores do Chile.
Os quatro países do Cone Sul também pediram ao governo de Maduro que garanta as "manifestações pacíficas e a livre expressão de ideias e que se investiguem as responsabilidades pela violência". Finalmente, defenderam o diálogo como forma de superar a crise política, social e econômica no país.