Em meio aos distúrbios sociais internos de seu país, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, comemora uma vitória diplomática significativa na Organização dos Estados Americanos. Ainda na noite de quarta-feira, conseguiu costurar apoio suficiente para que as posições anti-Caracas do secretário-geral, Luis Almagro, sejam ponderadas pelos integrantes do órgão.
A chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, definiu a votação, em Santo Domingo (República Dominicana) como "histórica".
Delcy argumenta que Almagro extrapolou funções do cargo ao chamar publicamente o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de "traidor, mentiroso e ditadorzinho" e, com isso, alinhar-se ao movimento antichavista.
Dos 34 países-membros da OEA, 19 votaram a favor da proposta venezuelana de avaliar como Almagro maneja o "respeito à institucionalidade e normativas da organização". Doze governos se opuseram. Houve duas ausências e uma abstenção. Com o governo interino brasileiro, Almagro tem relação difícil. Por quê? Porque, ao mesmo tempo em que foi severo com o governo venezuelano e apoiou a realização de um referendo revogatório (que é previsto constitucionalmente como instrumento político de "recall" do governo em meio ao mandato de seis anos), questionou o impeachment de Dilma Rousseff por ver ausência de motivos na adoção do recurso extremo de afastar a presidente e por considerar que faltaria legitimidade política a quem a julgava.
Agora, a atuação de Almagro será avaliada no âmbito do Conselho Permanente da OEA, espécie de foro político do órgão, na próxima terça-feira. Mesmo que a discussão não tenha implicações vinculantes, o fato de o secretário-geral ter sua atuação contestada por países-membros representa claro revés político. Dois dias depois da reunião no Conselho Permanente, está prevista uma sessão na qual Almagro deve propor formalmente aos países-membros que apliquem a Carta democrática contra a Venezuela por violação de direitos humanos e das normas democráticas e consequentemente suspendam o país da OEA. A decisão de emparedar Almagro reforça expectativas de que não haverá votos suficientes para aplicar a Carta democrática contra Maduro.
Além do apoio dos países caribenhos, que recebem petróleo venezuelano subsidiado, pesa a favor de Maduro o fato de que vários países consideram as sanções contraproducentes. Brasil e Argentina temem que a eventual suspensão da Venezuela deixe Maduro livre para se tornar ainda mais arbitrário.
Crise beira o caos social
Enquanto isso, na Venezuela, com desabastecimento de 80% da cesta básica e estimativa de inflação anual em 700%, a crise só aumenta.
Exemplo: comércios arrasados, ruas militarizadas e centenas de presos. Os roubos na cidade de Cumaná evidenciaram a onda de violência que está tomando as manifestações por alimentos no país, fator que o governo atribui à oposição e que poderia radicalizar Maduro.
Veja vídeo sobre esse assunto:
- O balanço é de ruína total porque os comércios foram saqueados não somente em seus estoques, mas também em seu mobiliário. Foi uma destruição total - comentou Rubén Saud, presidente da Câmara de Comércio de Cumaná, cidade costeira de 800 mil habitantes e a 400 km ao leste de Caracas
Padarias, supermercados e serralherias foram destruídos na terça-feira, que começou como um protesto por comida, no qual motoristas inicialmente assaltaram caminhões com mantimentos, segundo testemunhas.
Banhada pelo mar do Caribe, Cumaná é o epicentro mais recente de manifestações pela severa escassez de alimentos, que em meados de maio começaram a se estender por várias regiões e em junho, particularmente, terminaram em violência.
Em Lagunilla, Estado de Mérida, no oeste do país, um jovem de 17 anos morreu na quarta-feira em um hospital da cidade, onde deu entrada após ficar ferido durante distúrbios registrados na noite anterior envolvendo a falta de alimentos.
A vítima levou um tiro na cabeça durante enfrentamentos entre manifestantes e policiais e militares. Onze pessoas foram detidas durante os distúrbios, provocados durante o protesto, que era por comida.
De acordo com o Observatório Venezuelano de Conflito Social, nos primeiros cinco meses de 2016 foram registrados 254 roubos ou tentativas de roubo, sendo maio o mês de mais incidência, com 88 casos. A situação é gravíssima. A escassez de 80% dos alimentos e medicamentos provocam tensão nas ruas.
Desde 6 de junho, ao menos outras três pessoas morreram durante confusões similares em Cariaco (Sucre, cuja capital é Cumaná), San Cristóbal (oeste) e Caracas, segundo as autoridades. Um militar e um chefe policial foram detidos pelos dois primeiros casos. Crimes são promovidos por homens motorizados.
Por conta do caos, San Cristobal foi militarizada, foi proibido o trânsito de motoristas durante 72 horas, as aulas foram suspensas e iniciaram racionamentos diários de eletricidade.
Governo acusa a oposição
À medida que os protestos terminam em atos de vandalismo, o governo persiste em suas acusações contra a oposição, culpando-a de promover o caos para desestabilizá-lo e criar as condições para uma intervenção estrangeira.
Na terça-feira, Maduro denunciou que seus adversários estão por trás da "violência 'bachaqueril'", em alusão às pessoas que fazem contrabando de alimentos básicos (os chamados 'bachaqueros') e que, em sua opinião, promovem as confusões e a violência generalizada.
Por isso, o presidente, cuja gestão é criticada por sete em cada 10 venezuelanos, segundo pesquisas, disse ter habilitado uma prisão especial para enviar os responsáveis. Já há quase 80 presos políticos no país.
Na terça-feira, oitos pessoas foram detidas no Estado de Anzoátegui, acusadas de criar desordem, informou o governador regional, Nelson Moreno.
Para o cientista político Héctor Briceño, o aumento da violência "oferece um cenário oportuno ao governo" para decretar eventualmente a comoção interna e "impedir, assim, o referendo ou outro evento eleitoral", como os comícios regionais de fim de ano.
- O que contém uma explosão social generalizada é a possibilidade de que as pessoas possam se expressar através de mecanismos como o referendo. Não permiti-lo desencadearia uma situação muito dramática - disse Rafael Uzcátegui, coordenador da organização de direitos humanos Provea.
Maduro advertiu que tem "pronto" um decreto de "comoção interna" no caso de desatarem ações "golpistas violentas", o que implicaria em restrições às liberdades civis. A Venezuela vive uma emergência econômica e um estado de exceção desde o último 13 de maio, marco em que o governo implementou os CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção), que são grupos de civis que distribuem os alimentos porta a porta. A oposição denuncia que essa estratégia aponta para abastecer os partidários do chavismo, mas inclusive não satisfaz às suas necessidades, em meio à severa crise econômica agravada pela queda da renda do petróleo
- Com os CLAP, as pessoas perceberam que a escassez irá se agravar. Há incerteza, desassossego, é a partir do estado de exceção que estas ações (os roubos) dispararam - disse Uzcátegui.
No entanto, Briceño considera que cada vez se vê uma maior confluência entre as demandas sociais - como os alimentos - e as reivindicações políticas, após anos em que o chavismo desqualificou estas últimas, associando-as à oposição.
A morte de um menor
Um menor de 17 anos morreu na localidade venezuelana de Lagunilla, no Estado de Mérida (oeste), durante protestos pedindo alimentos que degeneraram em distúrbios e saques, informaram as autoridades.
O adolescente morreu na manhã de quarta-feira em um hospital da cidade, onde deu entrada após ficar ferido durante os distúrbios registrados na noite anterior.
Embora o Ministério Público não tenha detalhado as causas da morte, a imprensa local disse que a vítima levou tiro na cabeça durante enfrentamentos de manifestantes com policiais e militares, nas quais não participou.
Onze pessoas foram detidas durante os distúrbios, provocados durante o protesto por comida, disse à imprensa o chefe da polícia local, Álvaro Sánchez.
Entre os detidos estão vários menores de idade, com os quais foram encontrados provisões e equipamentos eletrônicos furtados de estabelecimentos comerciais, segundo o boletim policial, citado pelo jornal Últimas Noticias.
Mais de 400 pessoas foram presas em Cumaná, capital do Estado de Sucre, no leste da Venezuela, sob acusação de participar de uma onda de saques a mercados e lojas, segundo o governador do Estado, Luis Acuña.
Em entrevista ao canal de TV Globovision, Acuña, que é chavista, negou relatos da oposição de que uma pessoa morreu durante os distúrbios. Mas admitiu que os saques são ocasionados porque, num país onde a distribuição de alimentos está sob forte controle estatal, autoridades não conseguem atender às necessidades da população. Conforme a ONG Observatório Venezuelano da Violência, existem ao menos 10 tentativas diárias de saque pelo país.