"Dê-me o supérfluo que eu abro mão do essencial."
Oscar Wilde
Foi Carlos Haag em "Dar-se ao Luxo é um Luxo" (Revista Fapesp, 138, 2007) que apontou a ligação entre o luxo e a política. A política tem uma dimensão teatral, uma dimensão de aparecer, o chamado "teatro da política" que fica evidente no caso da jornalista Cláudia Cruz, mulher do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), denunciada pelo Ministério Público Federal ao usar um cartão bancário para lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O detalhe da valorização da... aparência: Cláudia Cruz gastou US$ 854.387,31 em artigos de grife, como bolsas, sapatos e roupas femininas.
Como no caso do filme da rainha Maria Antonieta, quando a atriz Kirsten Dunst, no filme homônimo de Sofia Coppola, Cláudia Cruz também perdeu a cabeça pela luta pelo luxo na política. Em ambas, o que marca é o excesso de Maria Antonieta na corte de Versalhes e de Cláudia Cruz, no consumo de bens de luxo no Exterior. Como Maria Antonieta, Cláudia Cruz abusou do luxo sem perceber o quanto isso era intolerável para a esposa de um presidente da Câmara dos Deputados, como era para uma rainha. O que ambas queriam era utilizar o luxo para conseguir poder, o poder da exposição pública, o poder do dinheiro, exibido em joias, sapatos e perfumes. Por isso, ambas perderam tudo e conquistaram o ódio popular. Como aponta Foucault, relembrando a famosa pintura "Isto não é um cachimbo", do belga René Magritte (1898-1967), que, ao ver-se um cachimbo, afirma que não se trata de tal e produz-se nonsense, não é possível que o dinheiro dos impostos da sociedade possa ter ido para... objetos de luxo! Isto não são nossos impostos? É claro que são!
O que está em jogo na desculpa do gasto em objeto de luxo é que é este o paradigma central da política atual, que diz que nossos políticos nada mais fazem do que alimentar a ganância das classes dominantes, elas ocupam a classe política para se locupletaram de vantagens no Exterior, e através disso, alijaram todas as demais classes do acesso aos bens de consumo. Pois o que o exemplo de Cláudia Cruz nos diz, ao ser pega pelo Ministério Público, são as bases da ordem política, o motor simbólico da ostentação para que serve o acúmulo de riqueza – os carros de Fernando Collor de Mello etc. Nesse sentido, agora são frações da classe política que abrem mão do essencial em nome do supérfluo, como diz Oscar Wilde.
As demais classes sociais não ficam indiferentes à ostentação de riqueza, ao contrário, veem como inaceitável o consumo de artigos de luxo quando serviços básicos do país não são oferecidos. Furiosamente, as mulheres que foram buscar Maria Antonieta no filme para levá-la ao rei agora dirigem-se, com razão, para Claudia Cruz, a guilhotina real é substituída pela guilhotina simbólica e o guarda-roupas que a corrupção bancou agora serve para provocar sua queda. Esse êxtase social advém do fato de que se rompe, com sua punição, a hierarquização de classes, de um universo que deseja que ricos tenham acesso ao luxo e pobres não. Luxo? Os pobres apenas desejam bons serviços públicos, mas é o consumo do luxo que revela a face perversa da política, de que ela também é um produto de classes, de camadas ou grupos – leia-se, direita – que buscam a distribuição desigual dos recursos.