O escritor e jornalista caraquenho Carlos Javier Arencibia está, neste momento, percorrendo a Venezuela com uma bandeira do Mercosul na qual recolhe assinaturas em protesto contra o governo de Nicolás Maduro e a situação do país. Nestes vídeos enviados por ele com exclusividade para Zero Hora, ele faz breves e contundentes relatos sobre a dificílima vida num país em crise profunda. A Venezuela vive precariedade institucional, violência urbana equiparável à de um país em guerra, desabastecimento de 80% dos produtos básicos (em especial alimentos e medicamentos) e inflação anual estimada em 700%. Veja o depoimento e o apelo de Arencibia.
Enquanto isso, a oposição na Venezuela esperava, nesta quinta-feira, obter o aval das autoridades eleitorais para avançar no longo caminho para um referendo revogatório contra o mandato do presidente Nicolás Maduro, a quem culpam pela severa crise no país. Representantes da opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) se reunirão com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que divulgará o relatório da revisão de 1,8 milhão de assinaturas - nove vezes acima do exigido - entregues no mês passado para ativar o referendo.
O vice-presidente do Parlamento de maioria opositora, Enrique Márquez, disse esperar que o CNE, acusado de servir ao chavismo, confirme como válidas o mínimo solicitado de 200.000 assinaturas para seguir adiante com o processo de validação com as impressões digitais. Márquez advertiu que se o referendo não acontecer este ano, a pressão social aumentará a "limites imprevistos".
- É a única válvula de escape que o povo venezuelano tem ante o sofrimento que atravessa - afirmou.
Gritando "vai cair, vai cair, o governo vai cair" e "temos fome", moradores bloquearam uma avenida e ruas próximas, virando latas de lixo.
- Estou protestando porque já estamos cansados de não conseguir produtos, das filas - disse Francis Marcano, estudante de 21 anos, com uma pedra na mão.
Afetada pela queda expressiva dos preços do petróleo, a Venezuela sofre uma profunda crise política, institucional, social e econômica, com grave escassez de alimentos e medicamentos, assim como a maior inflação do mundo (180,9% em 2015 e estimativa do FMI de 700% para 2016).
Longas filas, vigiadas por policiais militares, são formadas nos supermercados para a compra de alimentos subsidiados.
Abriram os cemitériosA oposição acusa o CNE de fazer tudo para evitar que o referendo aconteça este ano, enquanto o governo afirma que a oposição, "desesperada", cometeu fraude, que incluiria as assinaturas de 10.000 falecidos.
- Abriram os cemitérios - ironizou Maduro.
- Entregamos 1029% a mais de assinaturas do que as solicitadas. Não há desculpas, até no pior cenário temos seis vezes mais do que o que o CNE exigia - disse o opositor Carlos Ocariz, prefeito de Sucre, no Estado de Miranda.
Se a validação das primeiras assinaturas tiver sucesso, para obter a convocação do referendo a oposição precisará reunir outras quatro milhões de assinaturas (20% do padrão eleitoral), que também devem ser validades com a impressão digital. A oposição tem pressa. Se o referendo acontecer antes de 2017 - quando o mandato completa quatro anos - e Maduro perder, novas eleições devem ser convocadas. Mas se for organizado no próximo ano, em caso de derrota o chefe de Estado seria substituído pelo vice-presidente.
De acordo com o instituto Datanálisis, sete em cada 10 venezuelanos apoiam a mudança de governo. Para revogar o mandato de Maduro seriam necessários mais do que os 7,5 milhões de votos que deram a vitória ao chavista em 2013.
Diálogo e OEAEm meio à pressão pelo referendo, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou na quarta-feira uma declaração em apoio ao diálogo entre o governo e a oposição, um dia depois de o secretário-geral da entidade invocar a Carta Democrática Interamericana.
Na reunião, os 34 países-membros da OEA países debateram um projeto de declaração apresentado pela Argentina, e outro pela Venezuela.
Finalmente, houve consenso em torno da proposta argentina, após algumas modificações a pedido da delegação da Venezuela, que conseguiu incluir uma menção sobre o "pleno respeito à soberania" da Venezuela.
O governo venezuelano recebeu como uma vitória esta declaração.
"A Venezuela obteve uma vitória na OEA ao convocar o Conselho Permanente para declarar apoio ao diálogo, à Constituição e à Paz", escreveu no Twitter a chanceler Delcy Rodríguez.
"Esta vitória é um reconhecimento do governo constitucional do presidente Nicolás Maduro e do sistema democrático de promoção dos direitos humanos", destacou a chefe da diplomacia venezuelana.
Nesta quinta-feira, a MUD também aplaudiu a declaração da OEA de apoio ao diálogo, por considerar que apoia saídas constitucionais à crise do país, como o referendo revogatório do mandato de Maduro.
Em um comunicado, a MUD declarou que a resolução aprovada exige que o governo venezuelano respeite os direitos humanos e "apoia o uso de procedimentos constitucionais para resolver a crise, procedimentos entre os quais destaca o referendo revogatório".
Apesar do anúncio de vitória por parte do governo, a oposição destacou que o governo de Maduro "apresentou um projeto de resolução que foi rejeitado pela maioria dos países".
"A possibilidade de ativar e aplicar a Carta Democrática segue de pé", enfatizou a MUD, ao se referir a este mecanismo da OEA para casos de ruptura da ordem constitucional.
O presidente francês, François Hollande, e sua colega chilena, Michelle Bachelet, em visita a Paris, defenderam a negociação.
- Não pouparemos esforços para a solução de diálogo - disse Hollande.