A falta de teto no Aeroporto Salgado Filho, na nublada e nevoenta madrugada de segunda-feira, obrigou este colunista a passar um dia inteiro em Lima, no Peru, na viagem que fazia até Caracas. Agora, eu escrevo da capital venezuelana. Pois bem. De certa forma, até foi bom dar um rolê pelas ruas de Lima e depois chegar a Caracas.
O contraste é absurdo.
Lima está com uma orla absurdamente linda, cheia de restaurantes, gente namorando, crianças brincando, ciclovia, policiamento ostensivo e educado, um shopping aberto, espaço para ginástica e uma paisagem deslumbrante. Perfeito! De dia e de noite!
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Caracas... cheguei no aeroporto, que fica nos arredores da capital venezuelana, e flagrei três famílias aos prantos se despedindo, porque estão buscando novos horizontes fora do seu país. No caminho até a cidade, aparecia, a cada 10 minutos, filas imensas de gente usando sombrinhas naquele calor caribenho. Era gente que buscava pacotes de açúcar e farinha desesperadamente. Costuma permanecer mais de sete horas suando, sob o olhar atento da Guarda Bolivariana. Triste. Um povo sensacional, puxa, não merecia isso.
O momento econômico e institucional da Venezuela é delicado, como sabemos.
O desabastecimento chegou nos 80% dos produtos básicos. Falei com uma senhora de 79 anos que estava na sua sexta farmácia do dia atrás de medicamentos para o marido com doença grave – naquela sexta farmácia, ouviu o sexto e derradeiro não da jornada. Também vi uma estudante de economia vibrando com a compra de um pacote de açúcar. Fazia mais de seis meses que ela procurava açúcar e não encontrava.
As últimas notícias da política venezuelana são de que, em meio a uma intensa e duradoura queda de braço entre oposição e situação para fazer ou não um referendo revogatório (recall constitucional e legítimo no meio do mandato) de Nicolás Maduro, o Mercosul manteve a Venezuela como próxima sede pro-tempore do organismo internacional (para evitar um agravamento ainda maior na situação) e suspendeu a próxima cúpula (alegando que as situações venezuelana e brasileira tiram o clima).
São medidas que procuram dar espaço a um diálogo interno hoje inimaginável.
O mesmo faz a Organização dos Estados Americanos (OEA). Em vez de aplicar a cláusula democrática e talvez até expulsar a Venezuela, procura pôr água na fervura.
Pense bem... é papel deles adotar a cautela. Esses organismos têm fundamentação diplomática. Só o que eles querem é segurança jurídica, solidez institucional e diálogo fluido.
A questão é: há qualquer possibilidade?
Hoje, parece que não. Mas, sabe-se lá. Talvez queiram pavimentar o caminho do referendo revogatório venezuelano ainda neste ano, o que levaria a uma nova eleição. Maduro e os demais chavistas teriam de topar.
Difícil? Claro.
Bem... se fossem fáceis situações assim, a existência da diplomacia seria irrelevante. Ainda bem que alguém ainda aposta no sempre salutar diálogo, neste mundo em que todos só esfregam as mãos a cada incêndio democraticida.