O script era esperado: de um lado, Venezuela, Equador, Bolívia, Chile e Cuba manifestam seu apoio à presidente Dilma Rousseff e criticam a forma como Michel Temer chegou ao poder, provavelmente para não mais deixá-lo. Unasul e OEA estudam, em tese, suspender o Brasil alegando a cláusula democrática (evidentemente, na prática, isso é inviável em razão do protagonismo brasileiro). De outro lado, Argentina, Colômbia e Paraguai pedem somente que as instituições brasileiras sejam mantidas e desejam sorte ao novo governo. Na Argentina, porém, essa visão protocolar e favorável a Temer dividiu a sociedade. O presidente Mauricio Macri foi motivo de ácidas críticas.
A Argentina expressou confiança na solidez da democracia do Brasil, seu principal parceiro comercial na região, após o afastamento de Dilma. Para o governo argentino, pode ser uma "oportunidade" de refundar o Mercosul. Mas a reação do governo Macri levou a ponderações segundo as quais as declarações oficiais foram "um reconhecimento ao golpe institucional" contra Dilma.
"Diante dos acontecimentos registrados no Brasil, o governo argentino manifesta que respeita o processo institucional que se está desenvolvendo e acredita que a situação consolidará a solidez da democracia brasileira", diz o texto divulgado pela chancelaria do país.
O chefe de Gabinete, Marcos Peña, acrescentou que o governo argentino defende "a paz e o diálogo" e admitiu que a Argentina vê com muita preocupação a situação econômica.
– O Brasil é nosso vizinho, nosso irmão, nosso aliado estratégico – ressaltou Peña em declaração à rede de televisão pública.
O ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, questionou a política econômica do Brasil consultado durante um fórum de empresários sobre a crise vizinha:
– O Brasil vai entender que sua maneira de se integrar ao mundo não pode ser individual – afirmou. – É preciso aproveitar essa oportunidade para trocar ofertas entre Mercosul e a União Europeia. Se conseguirmos esse acordo, terá sentido discutir um acordo entre Mercosul e Aliança do Pacífico.
O governo de centro-direita de Mauricio Macri disse que "continuará dialogando com as autoridades constituídas com o objetivo de seguir avançando com o processo de integração bilateral e regional".
O presidente argentino não fez declarações públicas sobre o processo que levou ao afastamento da presidente.
A ex-presidente argentina Cristina Kirchner (2007-2015) também não fez declarações públicas, nem através das redes sociais, meio pelo qual costuma se expressar desde que deixou o cargo, em 10 de dezembro.
Dois líderes da oposição a Macri e ex-adversários pela presidência em 2015 criticaram o afastamento de Dilma e a postura da Argentina.
O vice-presidente do Partido Justicialista, Daniel Scioli, disse que "observa com indignação" o afastamento de Dilma.
– Estão atacando um projeto político, econômico e social representado pelo PT, nascido de um grande estadista como Lula. É uma injustiça. Sou um fiel defensor da governabilidade e institucionalidade, seja do partido que for – disse Scioli, ex-candidato presidencial kirchnerista.
O líder da esquerda, Nicolás del Caño, repudiou "o reconhecimento e o apoio do governo argentino ao golpe institucional que acontece no Brasil".
– Querem fazer passar como um processo constitucional normal, mas o impeachment não se baseia em nenhuma prova de corrupção, mas em atos administrativos do governo, sem apontar qualquer delito, como pressupõe a própria Constituição brasileira que dizem defender – acrescentou.