A transmissão ao vivo dos debates parlamentares sobre o impeachment deixou nos telespectadores variadas impressões. E, também, perplexidades. Nem tudo pôde ser atribuído ao anseio publicitário dos parlamentares. Sejamos cautelosos no tocante às críticas que reprovaram interferências pessoais nas votações. Os deputados não podem ser confundidos com abstrações humanas vestidas a rigor, nem com mamulengos escorados em urnas eleitorais. São pessoas com impressões digitais e biotipos diferenciados. Ninguém deveria achar exótico que um deputado nos recordasse, durante seu voto, um conselho bíblico sobre o orgulho “como fonte de erros e desditas”. Quem nos estarreceu foi o truculento deputado que insultou colegas e público, ao solidarizar-se com um dos torturadores dos Anos de Chumbo.
Voltemos à TV. Por um lado, ela espetaculariza qualquer intimidade. Por outro, hipnotiza suas vítimas de tal modo, que estas não chegam a perceber a eventual desfiguração ou deformação de seus rostos e gestos. Quando a TV focaliza as pessoas, sobretudo nas transmissões ao vivo, os circunstantes estão em geral imersos numa espécie de embolação. A TV tende a ejetá-los disso, convertendo-os em figuras macroscópicas. São servidos nessa condição, como iguarias visuais, a milhões de espectadores. Os focalizados, ao se tornarem “personagens”, são como que abandonados por suas fisionomias, e estas podem, ou não, revelar aspectos inconvenientes.
Com certa temeridade afirmamos: a televisão é voyeurista. Que se entende por voyeurismo? Eis uma síntese do verbete do Dicionário de Palavras e Expressões Estrangeiras do professor Luis Augusto Fischer: “Voyeur significava, no passado, aquele que fica vendo. De Freud para cá, o léxico passou a designar o indivíduo que tem prazer em ver outros que transam, ou estão a ver um corpo nu, ficando o vedor oculto aos que são vistos”. Transposto para o linguajar da gíria: voyeur é quem espia pela fechadura.
A TV profaniza a intimidade. É natural que num ambiente tumultuado, como o dos debates sobre o impeachment, sobrava-lhe material de bagunça: brados, intervenções descontroladas, sarcasmos desproporcionados em cerimoniosas embalagens etc. Os telespectadores se tornaram, até certo ponto, cúmplices do voyeurismo, assistindo a cenas deploráveis.
Censuraremos a TV por ter feito o que fez? De forma alguma. A televisão é também espelho da sociedade, e isso a justifica. Não se trata, portanto, de incriminá-la; trata-se de algo mais sério: de resguardar a decência e as qualidades republicanas, que só existem quando são compatíveis com o debate livre. Dito com mais clareza: trata-se de preservar a dignidade de exercício do poder civil.