Dilma, em evento na ONU para assinar acordo sobre o clima foi anticlimática. Não denunciou o "golpe", aquele "em andamento" no país, o mesmo que permitiu que ela viajasse sem susto e deixasse, na cadeira presidencial, aquele que almeja "golpeá-la", "traí-la". Antes todos os golpes fossem assim, tão, digamos, civilizados. Deve ser da alma brasileira, de nossa verve criativa.
Dilma não denunciou o golpe mas afirmou com contundência: "O Brasil saberá impedir o retrocesso". O verbo da frase presidencial, contudo, está equivocado. O Brasil não tem o luxo de poder impedir o retrocesso. Ao contrário, o Brasil tem pela frente a árdua tarefa de reverter o retrocesso cuidadosamente construído durante os mandatos desbaratados da presidente da República, Dilma 1 e Dilma 1,5.
Os números não enganam, embora muitos não queiram vê-los, avestruzes que são. A taxa de desemprego alcançou, neste início de 2016, 10,2%. Os salários estão em queda livre - mais de 4% em termos reais nos últimos meses. O Banco Central nos informa que, nos 12 meses encerrados em fevereiro, o PIB sofreu retração de 4,6%. A inflação recuou um pouco, é verdade, devido à catástrofe econômica. O rombo das contas externas também está um pouco menor, na faixa de 2,5% do PIB, em razão do colapso das importações e dos efeitos da queda dos preços das commodities nas exportações do país. No entanto, relatório do Serasa-Experian revela que a inadimplência atinge 60 milhões de brasileiros, alcançando nível recorde. Ainda mais desalentadora é a constatação de que 80% dos devedores ganham até dois salários mínimos. A base da pirâmide de renda no Brasil está solapada por dívidas impagáveis, sobretudo nessa terrível conjuntura atual.
Eis o retrocesso. A grande conquista do lulopetismo fora a retirada da pobreza de milhões de brasileiros. O legado sombrio que o lulopetismo deixará à nação é a reversão de tendência auspiciosa, com milhares de brasileiros e brasileiras voltando à base da pirâmide de renda do país. A tragédia, anunciada por muitos economistas, inclusive esta que vos escreve, não era difícil de antever. Ao longo dos anos em que reinou a farra do crédito público e das carinhosamente apelidadas "pedaladas" fiscais, durante o tempo em que pouca atenção foi dada à inflação e à sustentação de médio prazo do crescimento, muitos de nós alertaram que o desfecho dos desarranjos seria o retrocesso distributivo. É triste constatar que estávamos certos.
As "pedaladas". Muito tem sido dito sobre elas, uma vez que fundamentam a petição de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. De que se tratam, afinal? Dilma Rousseff violou duas leis em 2015, duas leis que formam a espinha dorsal de nosso arcabouço fiscal. Não foi apenas em 2015 que violações de natureza similar ocorreram, mas manda a Constituição que qualquer pedido de afastamento de um presidente considere malfeitos apenas no mandato vigente. Pois bem. O artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal adotada em 2000 diz às claras que é proibido ao governo financiar-se por meio dos bancos públicos. Antes de 2007, tais financiamentos correspondiam a punhado de reais, ressarcidos sempre logo que terminava o ano fiscal. A partir de 2012, tais financiamentos passaram a ser de bilhões de reais, razão para que o TCU tenha decidido rejeitar as contas de Dilma em 2014. Em 2015, o governo continuou a prática ilícita, configurando a violação da LRF. Além disso, em 2015, Dilma assinou seis decretos em que autorizava despesas não-previstas no orçamento no montante de R$ 96,5 bilhões de reais. Compensou R$ 94 bilhões dessas despesas fazendo cortes. Contudo, sobraram R$ 2,5 bilhões descobertos, montante que feria o artigo 4 da Lei Orçamentária, a Lei 13.115 de 2015, a LOA. De acordo com a LOA, quando o governo gasta mais do que o previsto no orçamento, pondo em risco o cumprimento da meta fiscal estabelecida para o ano, ele necessita de autorização prévia do Congresso para fazê-lo. Jamais foi obtida tal autorização para os R$ 2,5 bilhões.
Portanto, além do retrocesso penoso das classes mais vulneráveis, sofremos, também, desmonte das instituições cujo objetivo era manter a estabilidade macroeconômica, garantir a solvência do país, e solidificar as bases para o crescimento sustentável. A demolição de Dilma Rousseff, a mesma que fala em "não impedir o retrocesso", foi notável.
Resta-nos recolher os cacos, descobrir como se encaixam, usar a cola. A pergunta que intitula esse artigo, portanto, deveria ser outra. Saberá o Brasil superar o retrocesso?
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