Sempre gostei de nossos índios, sofro pelo descaso brutal que temos para com eles, mas nunca senti uma identidade próxima, até descobrir como eles se referem a nós em língua bororo. Nos chamam de kidoe-kidoe, papagaio-papagaio seria a tradução literal, mas a duplicação é para dar ênfase ao sentido: aqueles que, como esses pássaros, falam muito.
Definição perfeita, somos uma civilização tagarela, temos aversão ao silêncio, nossa falação é quase um esporte. Ao contrário, nossos índios, de todas as três Américas, revelam uma postura mais econômica com as palavras. São breves, falam apenas quando devem. Enquanto nós gastamos e inflacionamos o verbo, eles mantêm uma postura reverencial à fala.
Duas civilizações e duas maneiras de se relacionar com a palavra. Cada uma com suas vantagens e desvantagens. Difícil dizer qual a melhor, afinal são estratégias de encarar a vida e o mundo. A questão é que existem muitos índios entre nós, como deve haver papagaios entre eles. Esses índios deslocados são uma minoria incompreendida: os silenciosos.
Eu sou um deles. Falo pouco, não raro levando meu interlocutor à exasperação. O Carpinejar é quem mais enlouqueço com meu silêncio. Minha família já está acostumada, aprendeu a conviver com meu laconismo. Por outro lado, não me importo quando falam, sou um bom ouvinte, posso escutar durante horas qualquer tagarelice. E não é de hoje, minha mãe conta que só com dois anos eu pronunciei minha primeira palavra.
A questão é que nós, os silenciosos, não temos um impulso à fala. O silêncio não nos angustia. Não nos faltam palavras, nem ao menos as procuramos, apreciamos a poesia do silêncio. Somos índios extraviados e, como eles, respeitamos as palavras e não as gastamos em vão. Não se trata de negar algo a alguém, negar uma fala. Trata-se de apreciar a pausa entre elas. Quando usada com parcimônia, a palavra ganha outra densidade.
Poderíamos colocar isso de outra forma: a vida necessita ser narrada ao vivo? Para algumas pessoas, sim. Muitas parecem que só existem se estão falando. Falar as ancora na vida, precisam colonizar o espaço sonoro com seus detalhes mínimos sobre tudo. Parece uma saudável gula de viver duas vezes, quando fazem e quando contam. E, afinal, é assim que entendemos nossos caminhos.
Uma observação de uma pessoa que viveu no Japão: eles ligam o prazer à quietude, enquanto nós, ao barulho. Uma festa aqui necessita ser ruidosa para ser considerada boa, enquanto para eles o luxo é o silêncio. Talvez nós, os silenciosos, além de índios cercados de caras-pálidas, sejamos japoneses nascidos no lugar errado.
Mais uma questão: quando dois índios se encontram, como fica? Sem dramas, sou amigo do Mauro Fuke, e, como ele é ainda mais silencioso, eu fico ligeiramente tagarela.