Em uma corrida contra o tempo, aproveitando-se dos últimos suspiros da Lei Habilitante - que lhe permite governar por decretos - a o Legislativo ainda governista, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou um decreto segundo o qual fica praticamente proibido que empresas demitam até 2018.
A Lei Habilitante foi adotada em março deste ano com validade até 31 de dezembro. Permite a Maduro emitir decretos com "status, valor e força de lei".
É curioso: Maduro fez esse anúncio, de afogadilho, horas depois de Mauricio Macri, o novo presidente da Argentina, ter determinado a revisão de contratações naquilo que define como inchaço da máquina sob o kirchnerismo em especial nos últimos três anos, durante o governo de Cristina Kirchner - Macri estima que 24 mil contratos poderão ser revistos.
Mas, voltando à Venezuela: Maduro alegou que a Lei de Inamovibilidade Laboral, adotada apenas três dias antes de expirar sua prerrogativa de governar por decretos pela Lei Habilitante, é necessária para "proteger trabalhadores" antes que a maioria parlamentar vencedora do pleito de 6 de dezembro implemente legislação supostamente alinhada aos interesses dos empresários.
O novo Legislativo, que terá 112 oposicionistas ocupando o total de 167 assentos, toma posse em 5 de janeiro. Também isso foi motivo de correria.
Diz o decreto de Maduro: "Para a estabilidade do processo social no trabalho, não poderão ser realizadas demissões sem causas justificadas".
Mesmo antes dessa medida, a legislação venezuelana já praticamente tornava inviáveis eventuais demissões. Os empresários criticam a medida por avaliarem que ela provoca a leniência e a baixa produtividade nas empresas privadas.
O anúncio foi feito em rede na TV pública, local usado corriqueiramente e sem medida de tempo pelo presidente. Em meio ao discurso, ele foi ameaçador com a oposição, dizendo para os novos deputados não se atreverem a tocar na tal lei.
CORRERIA PARA ESVAZIAR A OPOSIÇÃO
Maduro tem adotado diversas estratégias para esvaziar o poder dos novos parlamentares. Chegou até a instalar um incrível legislativo paralelo, o chamado Parlamento Comunal, para fazer as vezes dos eleitos.
A cartada mais recente foi a de recorrer ao Judiciário para impedir a posse de oito deputados. Alega irregularidades nos votos - mesmo que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) seja todo ele tomado pelo chavismo. As chances de conseguir são reais, uma vez que a própria corte suprema é tomada pelo chavismo. Ou seja, tudo é tomado pelo chavismo na Venezuela, e a posse do novo Legislativo no próximo dia 5 representa uma ameaçadora ruptura nessa hegemonia. É exatamente isso que Maduro teme e busca evitar.
Sem a "supermaioria" dos 112 assentos (2/3) no parlamento unicameral, a oposição fica impossibilitada de emendar a Constituição, aprovar Constituinte ou destituir altos funcionários. Claro, é tudo o que Maduro não quer!
É uma forma de diminuir o impacto de uma derrota acachapante. Uma maioria de 104 deputados ainda dá direito à oposição de aprovar uma lei de anistia para os presos políticos e organizar referendos consultivos, o que poderia amparar politicamente a convocação de um referendo revogatório contra Maduro a partir de abril, quando se encerra a primeira metade do mandato de seis anos.
A oposição reage indignada. Acusa haver um "golpe de Estado judicial".
Pelo Twitter, o secretário-geral da Mesa de Unidade Partidária (MUD), Jesus Torrealba, diz: "O bandidismo eleitoral ataca de novo: a cúpula derrotada introduziu recursos contra a vontade do povo expressada em 6 de dezembro".
Também a toque de caixa, Maduro aprovou a substituição de 13 dos 32 magistrados do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), órgão que poderá ter a palavra final nos embates entre Legisltaivo e Executivo. Os 13 escolhidos substituem antecessores que se aposentaram sem motivação clara em outubro, mais de um ano antes do prazo - caso deixassem para a data prevista no calendário, seriam substituídos sob um parlamento oposicionista.
Outra medida adotada pelo governo chavista: acelerou o máximo que pôde a aprovação de leis e orçamentos para beneficiar políticos governistas.
Enfim, trava-se uma guerra com base em suposta institucionalidade.
APELO INTERNACIONAL
Sentindo-se acuada dentro do país, a oposição venezuelana resolveu denunciar as medidas de Maduro à ONU, à União Europeia, à OEA, ao Mercosul e à Unasul, reclamando do "golpe de Estado judicial" ao impugnar no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) a eleição dos oito deputados opositores.
"O país, a região e o mundo estão diante de uma tentativa de golpe de Estado judicial contra a decisão do povo venezuelano expressa nas mesas de votação", disse a mensagem assinada por Jesús Torrealba.
A carta dos opositores dirige-se a Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU; Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para Assuntos Exteriores; Luis Almagro, secretário-geral da OEA; ao presidente paraguaio Horacio Cartes, que está na presidência pro témpore do Mercosul; e ao ex-presidente colombiano Ernesto Samper, atual secretário da Unasul.
A oposição venezuelana lhes pede que sejam ativados "mecanismos que estejam a seu alcance para conseguir que a democrática e pacífica vontade de mudança do povo venezuelano seja respeitada".