Nossa gata de rua, que eu chamo de Mancha Negra em homenagem ao vilão das historinhas do Mickey e minha mulher trata pelo nome mais agauchado de Guria, sequer percebeu que na última segunda-feira celebrou-se o Dia Mundial do Gato. Ela manteve a sua rotina normal de passear pelo pátio, dormir entre as pedras, lançar um olhar guloso para os passarinhos e saborear o seu patê de carne, servido religiosamente pelos humanos que adotou.
Mas eu dediquei parte da minha leitura diária à inusitada celebração. E descobri que vem aí o Grande Livro dos Gatos, uma publicação programada pela editora Alfaguara para o mês de abril e que, segundo comentários prévios, pretende abordar de forma ampla e detalhada a presença felina no mundo das letras. Inúmeros escritores já transformaram gatos em personagens de suas histórias, alguns, inclusive, utilizando-os como narradores.
No ponto de vista dos felinos, ao menos desses imaginados pelos autores como contadores de histórias, os seres humanos aparecem, invariavelmente, como ridículos e estúpidos. Pode parecer exagero, mas, da maneira como os bichanos nos observam, talvez pensem mesmo isso de nós.
Ainda assim, escritores famosos dedicaram prosas e poesias aos gatos. Jorge Luis Borges: “Tu és, sob a lua, essa pantera que divisam ao longe nossos olhos”. Pablo Neruda: “O homem quer ser peixe e pássaro/ a serpente quisera ter asas/ o cachorro é um leão desorientado/ o engenheiro quer ser poeta/ a mosca estuda para andorinha/ o poeta trata de imitar a mosca/ mas o gato quer ser só gato/ e todo gato é gato/ do bigode ao rabo/ do pressentimento ao rato vivo/ da noite até seus olhos de ouro.” Charles Baudelaire: “Vem, ó bom gato, a meu peito amoroso/ Contém as lâminas da pata/ Em teus belos olhos afundo e pouso/ em mesclas d’aço e de ágata”
Lindo, não é mesmo. Sei que a Guria/Mancha Negra não vai dar a mínima, pois, como ensina Neruda, uma gata só quer ser gata. Porém, para reabilitar um pouco a imagem dos humanos, fiz esta crônica como homenagem ao seu dia.