A vida pode ser uma festa, como sugere a animação da Disney/Pixar que ganhou Oscar no ano passado, mas o pessoal que gosta de botar água no chope está mais ativo do que nunca nas redes sociais. A última dos patrulheiros digitais foi a recente campanha para que a Lojas Renner suspendesse as vendas de uma camiseta com a imagem de Santa Muerte, personagem popular cultuada no México. Trata-se de uma figura feminina de véu, mas com o rosto de uma caveira.
Alegam os críticos religiosos que a estampa aterrorizante satiriza imagens sagradas, mais especificamente a de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas. O irônico é que os mexicanos cultuam os dois ícones quase com a mesma devoção. Até não católicos professam o que eles chamam de guadalupanismo, ao mesmo tempo em que muitos católicos fazem homenagens e orações ao esqueleto que segura o globo terrestre, a foice e a ampulheta, principalmente no feriado do Dia dos Mortos.
Existe um lado realmente negativo nessa crença extravagante: reverenciada pelos pobres e desvalidos, Santa Muerte passou a ser considerada, também, a protetora dos delinquentes e dos traficantes de drogas.
Mas a caveira santificada também simboliza a inexorável certeza da finitude humana, que, considerando-se as desigualdades sociais e a arrogância dos poderosos, não deixa de ser a mais democrática de todas as formas de justiça.
Já o filme retrata mais a vida do que a morte. Viva – A Vida É Uma Festa conta a história do garoto Miguel Rivera, que queria ser cantor numa família traumatizada por fatos passados e com aversão à música. O menino acaba sendo transportado acidentalmente para o mundo dos mortos, habitado por simpáticas e divertidas ossadas humanas. O enredo é surpreendente, emocionante e – apesar da temática sinistra – verdadeiramente encantador.
Já passou pelos cinemas e pode ser recuperado facilmente nos serviços de locação de vídeos da televisão. Em respeito ao espectador que ainda não assistiu, adianto apenas o detalhe da crença mexicana que mais me chamou a atenção e que tem tudo a ver com o tema desta crônica: uma pessoa não morre definitivamente quando se extinguem seus sinais vitais; morre para sempre apenas quando ninguém mais se lembra dela. Por isso existe o Dia dos Mortos, para lembrar os que já se foram e não deixá-los desaparecer da dimensão em que se encontram. Faz sentido, não é mesmo?
A censurada imagem de Santa Muerte também nos lembra para onde vamos. Não me agrada carregá-la no peito e muito menos idolatrá-la, mas acho perfeitamente normal que algumas pessoas queiram ostentá-la em suas vestes ou mesmo na própria pele como tatuagem, a exemplo do que fazem os devotos mexicanos. Como ensina o desenho do menino cantor, é sempre mais sensato lembrar dela do que tentar esquecê-la – até mesmo porque ela jamais se esquece de nós.