Miragem é a visão verdadeira de uma ilusão. Pelo prisma da ciência, trata-se simplesmente de um fenômeno óptico causado pela refração da luz solar, que pode ser comum a várias pessoas, mas também pode ser muito particular. Não é uma alucinação, como algumas pessoas imaginam. Por isso, considero ainda mais feliz o nome dado à livraria encantada de São Francisco de Paula, criada e administrada pela professora aposentada Luciana Soares. Estive lá no último final de semana e comprovei o que muitos visitantes, inclusive colegas de ofício, já haviam dito e escrito sobre ela. A Livraria Miragem é um sonho materializado em livros, móveis antigos, relógios estacionados no tempo, recantos sugestivos e escadas que levam aos céus da imaginação.
Como a sensação de cada observador é singular, a minha foi de reviver a experiência do protagonista de outra fábula moderna, o filme A Invenção de Hugo Cabret, aquele do menino que habitava as engrenagens do relógio da estação de trem de Paris. Como no filme, cada passo dentro do casarão de livros é uma descoberta surpreendente e incomparável. Dá vontade de ficar morando lá.
Quem mora efetivamente no local é a fundadora e proprietária do sonho. Personagem da própria invenção, ela passa o dia entre as engrenagens da sua máquina de encantar leitores, mas não se esconde nem se omite diante da curiosidade dos visitantes. O diálogo comigo foi sobre a mudança do perfil econômico dos Campos de Cima da Serra, da pecuária extensiva para a agricultura e a plantação de pinus. Luciana é uma defensora inconformada da antiga atividade e de uma prática polêmica que considera determinante para a mudança: a queima dos campos para renovar as pastagens.
– Não é queimada, é sapecada! – argumenta, peremptória, criticando a lei que proibiu o fogo controlado e acabou com as fazendas de sua infância e de sua família.
Para comprovar sua tese, mostra fotos pretéritas de extensos e ondulados campos verdes que hoje também se tornaram miragens do passado. Não sei por que, mas lembrei-me de que a obsessão de Hugo Cabret era remontar o autômato que lhe permitiria ouvir uma mensagem do pai falecido.
Ouvi atentamente a apaixonada explanação de Luciana, até que os relógios parados da livraria nos avisassem da chegada da noite. Então me despedi do seu sonho e da bela miragem que ela compartilha com desconhecidos – e saí de lá pensando em virar o travesseiro para dar continuidade ao encantamento.