De vez em quando, levanto de madrugada para comer uma laranja-do-céu. Sempre achei que era uma mania exclusiva, mas outro dia minha mãe disse que faz o mesmo. Então, passei a pensar que esse costume talvez provenha de nossos antepassados das cavernas. Agora, toda vez que sugo o sumo doce ouvindo os latidos da noite, fico imaginando um pré-histórico Neanderthal de Souza sonolento, tateando no escuro de sua morada tosca, em busca das frutas que colheu no mato depois de abater o mamute do almoço. Eta imaginação!
Olho para a fruta que me lambuza os dedos e me lembro de uma leitura pretérita, não sei de que autor: "Você pode contar quantas sementes tem numa laranja, mas é impossível saber quantas laranjas haverá numa semente". Sábia advertência. Sábio também foi o chinês Confúcio quando semeou a sua sabedoria com um exemplo fulminantemente singelo: "Se você tem uma laranja e troca com outra pessoa que tem outra laranja, cada um fica com uma fruta. Mas se você tem uma ideia e troca com outra pessoa que tem outra ideia, cada um fica com duas".
Trocar ideias, talvez esse seja o mais sublime conceito de civilização. Não da forma que se tornou tristemente popular nas redes sociais: alguém comenta qualquer coisa e já aparecem três ou quatro contestadores, ou dezenas, todos com pedras nas mãos para provar que suas opiniões é que são as verdadeiras. Palavras impensadas ferem e machucam mais do que as próprias pedras. Nesse caso, talvez fosse mais apropriado que trocassem laranjas. E em silêncio. Pelo menos, cada um ficaria com a sua.
As laranjas também merecem respeito. Tenho um pé de laranja-do-céu em casa. Não o utilizo como confidente, como fazia o menino Zezé, personagem do escritor José Mauro de Vasconcelos na sua obra mais famosa, O meu pé de laranja lima. Quem não derramou lágrimas adolescentes na leitura desse romance não sabe o que perdeu. Pieguices à parte, tenho especial predileção pela plantinha lá de casa, que neste ano me retribuiu a simpatia com duas dezenas de frutas saborosas.
No silêncio doce da madrugada, penso nela com carinho e assumo um compromisso pela memória de meu antepassado predador: vou dedicar-lhe uma crônica. Pronto, cumpri.