Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Morar em andar alto tem desvantagens, como a gente descobre quando falta luz: esses dias carregamos as compras do supermercado por nove andares, o que pode ser um bom exercício mas é também um saco. Contudo, há vantagens nas alturas, e uma delas é o alargamento do horizonte. A gente enxerga mais longe. Isto não significa, necessariamente, enxergar melhor, mas é sempre uma experiência diferente.
Uma madrugada dessas, depois de várias horas de computador, levantei-me e fui até a janela para respirar um pouco. A meu redor, dezenas de prédios. Na maioria deles, as luzes estavam apagadas: gente que dormia o sono dos justos (parto do princípio que todo porto–alegrense é um justo, até prova em contrário). Mas havia algumas janelas iluminadas, pequenas ilhas de luz no oceano da noite. A tribo dos insones.
Não é uma tribo unida, essa. Somos solitários no sono, ainda que partilhemos a cama com alguém, e somos ainda mais solitários na insônia. Há quem saia a caminhar pelas ruas, em busca de companhia, mas, numa época de assaltos, isto é exceção. A maioria dos insones fica em casa. E tentam fazer alguma coisa, o que está certo: lutar contra a falta de sono é um empreendimento de antemão condenado ao fracasso. Muitos assistem televisão. Outros leem. Alguns, pelo que pude perceber, caminham de um lado para outro.
Bravos insones. Estes, pelo menos, são poupados de uma angústia maior. Mas e aqueles que, no escuro, se revolvem na cama, ou ficam imóveis, os olhos abertos, sondando a escuridão? Aqueles que ficam pensando nos erros do passado e nas incertezas do futuro? Da tribo dos insones estes são os que sofrem mais, e sofrem longamente, porque o tempo, na insônia, escorre lento e ominoso. Por esses, e só por esses, é que o sol se levanta todas as manhãs. Por esses, e só por esses, é que raia o dia e tudo recomeça.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
Leia também:
Carta da editora: "Scliar, nos bastidores"
Moacyr Scliar, 80 anos. O que fica de sua obra
Acesse a página oficial do escritor