Benno Becker Júnior é doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona e membro da Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte, o que faz dele o maior especialista da área no Rio Grande do Sul. O procurei depois da sequência de três jogos em que o improvável aconteceu e reacendeu em todos a paixão pelo futebol diante de tanta imprevisibilidade.
Pelo Brasileirão, o Grêmio abriu 3 a 0 no Fluminense para perder ao final por 5 a 4. Na Liga dos Campeões, o Liverpool reverteu um 0 a 3 para um 4 a 0 que o colocou na decisão do torneio de clubes mais glamouroso do mundo. Seu adversário, o Tottenham, garantiu presença em Madri revertendo uma desvantagem de três gols no último lance da partida. Como coroamento do inviável, os três gols do destro Lucas Moura foram marcados de perna esquerda.
Nunca antes pareceu tão evidente que futebol, hoje em dia, se faz de quatro elementos em mesma hierarquia. O desempenho individual técnico, o desempenho individual físico, o trabalho coletivo tático e a fortaleza emocional.
Fiz quatro perguntas ao professor, que volta e meia dá aulas em universidades no Exterior sobre este tema tão rico e misterioso. Acompanhe os melhores trechos.
Como se traduz "dar mole" na psicologia do esporte?
Atribuir os maus resultados a "dar mole" é muito subjetivo. Seria um time perfeito com baixo percentual de erros técnicos, táticos, estratégicos e motivacionais em que alguns jogadores, por desvio de conduta, relaxam no treinamento, no cuidado de sua saúde, em sua ética/moral, colaborando para uma forte redução na produção da sua equipe. Quem pode opinar sobre esse conceito surgido na mídia pelo Renato? O próprio treinador, que mais conhece de perto sua equipe, apoiado pela análise de sua comissão técnica. Em geral, lideranças fortes da equipe detectam logo e iniciam o combate a esses focos que prejudicam. Fazem uma comunicação "horizontal" muito potente que ajuda o treinador. Renato reergueu o time com excelente comunicação horizontal. Quando, em algumas ocasiões, o treinador estabelecer uma comunicação "assimétrica", de cima de minha autoridade para os pobres mortais, pode iniciar uma rejeição inconsciente de alguns atletas, criando sentimentos ambivalentes que tendem a gastar energia psicofísica, social, anímica e espiritual. Como é inconsciente, tem que ser "expert na área" para identificar.
Qual o peso do desequilíbrio emocional em viradas como a do Liverpool e Tottenham?
O desequilíbrio emocional tira de alguns atletas a confiança, e aquelas ações já automatizadas que levam a vitórias sofrem reduções com terríveis consequências pelo incremento dos níveis de ansiedade da equipe. Liverpool e Tottenham se beneficiaram deste estado emocional de Barcelona e Ajax. Saliento a confiança que levou o brasileiro Lucas Moura a se tornar herói no jogo fora de casa contra o Ajax. Essa habilidade mental está ligada à autoestima, a gostar de si mesmo, que está vinculada com o trabalho efetuado nas categorias de base. Esse desequilíbrio pode, em geral, prosseguir na equipe, direção e torcida, basta ver as reações após as derrotas.
Fortaleza emocional se treina ou se nasce com ela?
Tudo o que o ser humano treina tende a ser bem executado. A área emocional também. A experiência de oito anos que tive na Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte mostrou que o Brasil precisa melhorar a formação do psicólogo específico e, assim, ter reconhecimento de parte dos clubes. Se o ser humano nasce com fortaleza emocional, a genética pode ajudar, mas o apoio da família leva à melhora da autoestima. As escolinhas irão contribuindo para o aperfeiçoamento do futuro profissional. Será herói, aplaudido pelo mundo inteiro? Não sabemos. A psicologia não explica tudo. Faz parte das ciências do esporte. Ser astro no futebol é sonho de milhões de crianças. É uma utopia, mas geradora de energias físicas, fisiológicas, psicológicas, anímicas e espirituais extraordinárias
Fortaleza emocional sempre foi tão importante como técnica, tática e condicionamento físico, ou hoje em dia é mais?
Esta questão nos remete ao mundo atual: uma convulsão total. Neste contexto, os maiores sintomas atuais são ansiedade, depressão e agressividade. O esporte e a atividade física são fatores fortíssimos para prevenção. No esporte, temos utilizado a avaliação dinâmica dos níveis de ansiedade dos atletas e verificamos os que estão correlacionados com seus melhores resultados. A partir disso, utilizamos técnicas cognitivas, comportamentais e somáticas para que ele possa, antes das competições, colocar sua ansiedade no nível ideal. Os resultados são promissores.