A eleição do ultradireitista Javier Milei na Argentina deixa um enorme ponto de interrogação sobre o futuro da histórica relação econômica dos hermanos com o Brasil. A possibilidade de um rompimento unilateral é extremamente improvável porque seria um tiro no pé no esforço de retirar o país vizinho da crise.
Estamos falando de décadas de parceria comercial, que hoje tornam o Brasil o principal destino das exportações argentinas. Na via contrária, a importância do país vizinho já foi maior. Hoje, é o terceiro destino do que é produzido aqui.
Embora as relações diplomáticas e comerciais nem sempre sejam contaminadas pelo discurso político e ideológico, as declarações de Milei na campanha não podem ser desprezadas. O presidente eleito prometeu acabar com o Mercosul e garantiu que não se reunirá com o presidente Lula por considerá-lo “corrupto” e “comunista”.
Se insistir nesta conduta, poderá não só atrapalhar o fortalecimento regional, mas prejudicar o avanço de parcerias fundamentais para a indústria e a agropecuária dos dois países.
Lula escreveu uma mensagem protocolar após o resultado das eleições em que não citou Milei nominalmente. O reconhecimento imediato, contudo, mostrou que o petista pretende manter a postura adotada durante a campanha eleitoral, em que evitou conflitos pessoais e não entrou nas provocações do argentino.
“Desejo boa sorte e êxito ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”, escreveu o presidente.
A proximidade entre Lula e o candidato derrotado, Sergio Massa, era óbvia. Mas, veterano que é, o mandatário brasileiro evitou se expor durante toda a disputa. No primeiro turno, quando o peronista saiu à frente, não fez comentários públicos. Lula sabe que a crise no país vizinho é monumental, e reflete a incompetência de um segmento político que sempre esteve ao seu lado.
Além de não querer ligar sua imagem à de um país com inflação acima de 140% e aumento de pobreza extrema, Lula não pretende entrar em qualquer briga que possa trazer efeito negativo à economia brasileira no curto prazo. Isso iria contra sua principal bandeira de governo, de promover crescimento com distribuição de renda.
A postura de Milei sobre o futuro do Mercosul, contudo, é um ponto sensível aos planos de Lula. Uma forte oposição do país vizinho ao bloco pode inviabilizar, por exemplo, o futuro do acordo com a União Europeia.
À revelia de alinhamento ideológico, a relação entre Brasil e Argentina sofreu mudanças nos últimos anos por uma série de fatores, que passam por mudanças geopolíticas e por consequências da grave crise econômica e social do país vizinho. Além da falta de crédito, as dificuldades das empresas argentinas têm contribuído, por exemplo, para a adoção de medidas protetivas que afetam setores produtivos daqui.
Ao Brasil, portanto, resta torcer para que o governo Milei dê certo. E esperar que o novo presidente argentino entenda que romper a histórica relação entre os dois países trará prejuízo a todos. Especialmente ao seu país.