Depois da polêmica envolvendo a mostra Queermuseu, que foi cancelada em Porto Alegre por causa de alguns ativistas escandalizados, nova polêmica tomou conta das redes sociais. O Museu de Arte Moderna de São Paulo abriu a mostra Panorama da Arte Brasileira com uma apresentação única para convidados e devidamente sinalizada sobre seu teor: nela, um homem nu manipula um origami, numa interpretação livre da obra Bicho, de Lygia Clark. Uma menina, acompanhada da mãe, estava no recinto e tocou nos pés do homem, e foi o que bastou para o museu ser acusado de incitar a pedofilia.
Talvez eu não levasse uma criança para assistir a uma performance que incluísse nudez total, mas apenas por uma questão de pudor, pois não vejo diferença em levá-la a uma praia em que se faz topless. Quando não há conotação erótica, a nudez pode ser apenas o simbolismo de um organismo vivo (uma proposta artística) ou pode ser uma atitude naturalista (ao ar livre, sem nenhum propósito sacana). Nudez não significa apenas sexo.
Esse verbo – significar – precisa ser mais bem compreendido, partindo de uma premissa: não existe um único significado para as coisas. E é aí que entra a importância de um museu.
No momento em que se entra em um, devemos estar abertos para o conhecimento e conscientes de que ali é um universo de representação. Quadros, esculturas, gravuras, instalações, performances, grafites, fotografias, antiguidades: nada é exatamente o que é. Uma xícara não é apenas uma xícara, mas a representação de uma época e de um costume. Um ferro retorcido não é apenas um ferro retorcido, mas a representação de um suplício. Uma tela vazia não é apenas uma tela vazia, mas a representação do silêncio. Uma bandeira de papel não é apenas uma bandeira de papel, mas a representação da infância. Um homem nu não é apenas um homem nu, mas a representação da nossa ancestralidade. Tudo o que se encontra dentro de um museu é representação de alguma espécie de beleza, de dor, de perturbação e de tudo mais que compõe nossa humanidade. Ninguém deve entrar num museu com uma ideia preconcebida. Pode-se, claro, gostar ou não gostar do que se vê, ficar ou ir embora, opinar contra ou a favor: somos livres. O único erro é não levar em consideração que esses são espaços sagrados (e aí incluo teatros, cinemas, livrarias, auditórios) que nos dão a oportunidade de atravessar um portal, deixando do lado de fora a banalidade da nossa existência para recepcionar uma provocação que nos elevará a outra categoria de gente – a de seres pensantes com capacidade de expansão.
Não estou certa de nada, a não ser de que a ausência de arte em nossas vidas é o que nos condena à mediocridade, é o que torna nossas vidas pequenas e é o que nos faz ter tanto, tanto medo de tudo.