Depois de uma semana em que o papel do Brasil no Exterior foi testado à exaustão, é bom avaliar os resultados e os desafios que nos esperam. Ex-secretário de Comércio Exterior e sócio-fundador da consultoria em negócios internacionais BMJ, Barral ainda vê chance de fechar o acordo Mercosul-União Europeia, mas é cético. O que mais teme são os efeitos de uma guerra comercial declarada por Donald Trump.
Há certo consenso de que a reunião de cúpula do G20 no Brasil foi um sucesso, mas qual é seu efeito prático?
O G20 é um grupo político. A ideia é juntar as maiores economias do mundo e buscar consensos sobre alguns problemas urgentes. Como já houve situações em que não se conseguiu sequer chegar a uma declaração final, é de fato uma vitória da diplomacia brasileira só por sua obtenção. E ainda incluiu temas importantes para o Brasil, como o combate à pobreza e a reforma dos organismos multilaterais.
Qual foi o resultado da visita do presidente da China, Xi Jinping?
Teve várias questões relevantes. A primeira é que foi uma visita de Estado do presidente chinês, uma das figuras mais importantes da diplomacia mundial graças ao poder que a China vem ganhando. Depois, foram assinados acordos de cooperação tecnológica, nas áreas de educação e cultura. Alguns são mais genéricos, outros com impacto efetivo, como a certificação de mais frigoríficos brasileiros para exportar para a China.
Qual é o interesse do Brasil em assinar com a Skysail, concorrente da Starlink?
O Brasil quer fazer acordos nessa área para desenvolver a indústria espacial. Os satélites da Skysail são de baixa órbita, que servem para vigilância, comunicação. E tem uma oportunidade de cooperação. O Brasil tem um programa importante no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), então um desenvolvimento conjunto é estratégico para o Brasil.
O Brasil acertou ao fazer acordos com a China mas ficar fora da Nova Rota da Seda?
A avaliação da diplomacia brasileira foi correta. Neste momento, não vamos ter grandes ganhos com a entrada. Em termos comerciais, o Brasil já tem a China como principal parceiro, vendendo muitas commodities (matérias-primas básicas, sem elaboração). A tarefa do Brasil é diversificar as exportações, e isso não depende da China. Em investimentos, o Brasil também já é bastante aberto, a adesão não mudaria muita coisa. Não havia motivo para entrar agora na Rota.
Mas não jamais?
A tendência é de que a relevância chinesa cresça.
Havia expectativa da China de que o Brasil entrasse?
Sim, a embaixada chinesa se mobilizou muito para um anúncio durante a visita de Xi. Mas o Brasil avisou com antecedência que não aconteceria desta vez.
Com forte resistência ao acordo Mercosul-União Europeia, há possibilidade de acerto neste ano?
Possibilidade existe. O que está pendente é a negociação sobre a side letter, uma carta de compromisso na área ambiental. O texto proposto pelos europeus é muito duro, o que o Mercosul quer é mais vago. Além disso, há uma pendência sobre compras governamentais. Se houver vontade política, nada disso é impeditivo. Não é a França que resolve, é a Comissão Europeia (órgão executivo do bloco europeu, como se fosse o gabinete de governo de um país com regime de governo parlamentarista).
Não precisa consenso?
São duas coisas diferentes. O acordo econômico precisa ser aprovado pela Comissão e pelo Parlamento. O acordo global, com a parte política, de cooperação e investimentos tem de passar por todos os parlamentos. Esse não passaria.
Existe risco de guerra comercial com Trump?
Ele prometeu aumentar as tarifas contra países que exportam para os EUA, principalmente a China, poderia chegar a 60%. Isso pode gerar um efeito de retaliação cruzada. Existe de fato risco de guerra comercial. Isso aconteceu nos anos 1930 e foi uma tragédia. Trump falou principalmente nos países que tem muito superávit com os EUA, o que não é o caso do Brasil. Temos déficit. Esse tipo de decisão não passa pelo Congresso americano, é do presidente, do Departamento de Comércio. Mas existe a expectativa de que o Congresso possa fazer alguma pressão para moderar.
A indicação da equipe não sugere qualquer tipo de moderação, não?
Sim, ao contrário do primeiro mandato, quando ele indicou congressistas, gente experiente, que eram chamados de ‘adultos na sala’, agora está escolhendo os que têm fidelidade a ele. Isso é consenso entre os analistas. Trump pode colocar gente muito radical no governo, com impacto grave no comércio internacional.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo