CEO da Bradesco Asset Management desde 2022, Bruno Funchal foi secretário secretário da Fazenda do Espírito Santo e, por pouco, não ocupou o mesmo cargo no Rio Grande do Sul. Comandou a Secretaria do Tesouro Nacional na gestão de Paulo Guedes no então Ministério da Economia, cargo que deixou em um dos muitos "furos no teto" de gastos feitos na época. Com esse currículo, conhece como poucos temas orçamentários, que agora estão sob debate diário com a expectativa de um conjunto de medidas para reduzir despesas obrigatórias. Foi um dos palestrantes do 26º Seminário Econômico Família Previdência (ex-Fundação CEEE), na sexta-feira (1º).
A credibilidade do arcabouço saiu do foco com a expectativa de pacote?
Não, precisa voltar a ter credibilidade. São necessárias ações que de fato conversem com a sustentabilidade do arcabouço. Uma regra fiscal não é um fim em si mesma, existe para ajudar a resolver questões. Serve para que o país pague menos juro, fique mais barato para empresas investirem e, assim, haja geração de emprego e renda. Isso é o que existe por trás da regra. Foi aprovada e, agora, é preciso trabalhar para que a regra de fato consiga dar um sinal de trajetória da dívida para o futuro. Se ações não conversam com a regra, geram preocupação. Se conversam, o país sabe para onde vão os gastos. Não adianta ter regra e dúvida sobre os gastos e para onde vai dívida. É por isso que o juro sobe.
Tanto o básico, do BC, quanto os juros futuros?
Sim, porque as empresas não captam pela Selic, mas pelo juro de 10 anos. E hoje essas taxas mostram que há dúvidas. Muitas das ações adotadas depois da aprovação do arcabouço abalaram sua sustentabilidade. Hoje e sempre, o Brasil tem um orçamento muito rígido, com muitas despesas obrigatórias. Com a aprovação do arcabouço, veio um aumento de despesas obrigatórias, especialmente as com saúde e educação, que crescem com a receita corrente líquida, especialmente com o cumprimento da meta baseado na arrecadação. Outro problema é aumento do salário mínimo acima da inflação. Nada contra o salário mínimo, o ponto é que é mais uma despesa. Pressiona o orçamento pela via da previdência, que já vem em crescimento pela mudança da pirâmide etária. Ainda há uma despesa crescente com o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Isso traz dúvidas sobre arcabouço, gastos, trajetória da dívida. Isso gera risco maior, com dificuldade de empresas para investir. Não se vê um movimento de investimento espraiado, que não passa de 18% do PIB nos últimos quatro anos.
Qual é sua expectativa para o pacote?
Só terá efeito real de mudança de perspectiva e de credibilidade se mexer em despesas obrigatórias. E se mudar a regra dos mínimos constitucionais para saúde e educação. Se vier algo nessa linha, pode ser sentido. Se o Fundeb passar para dentro do cálculo dos gastos com educação com uma cota grande, por exemplo, faz diferença. Mas se ficar na melhoria na eficiência do controle da fraude, o que precisa ser feito desde sempre, não vai mexer tanto o ponteiro, assim como se vierem apenas medidas muito pontuais de otimizar a gestão.
Se vierem essas medidas, ancoram a expectativa?
Tenho dúvida. Todas essas pautas são muito difíceis. O ajuste fiscal mais factível é aquele que consegue segurar aumentos. Reverter pauta é mais complicado. O fato de estar em discussão é um sinal positivo. Mas estou cético. O abono salarial está em discussão desde o Temer, também com o Bolsonaro, sempre com muita dificuldade. É uma revisão que faz sentido, porque é um benefício para a classe média. Por que não realocar para quem de fato precisa, o grupo do Bolsa Família para menos? Está sempre em discussão porque é difícil retirar. É mais fácil segurar. Houve vários aumentos de despesa obrigatória. É uma tarefa política que exige engajamento de todos. E precisa ar a noção do benefício que se tem de fazer esse tipo de controle. Gasto controlado pode reduzir juro, com setor privado investindo mais e gerando emprego.
A polêmica que se seguiu à avaliação da Moody's acentuou a necessidade desse debate?
Sim, foi um ponto positivo, o aumento de nota da Moody's trouxe essa discussão. O juro de 10 anos mais baixo incentiva o investidor local, porque fica mais fácil colocar projeto de pé quando o custo do dinheiro é mais baixo. Virar grau de investimento é um passo além porque traz dinheiro de fora para o Brasil. Libera grandes fundos de investimento a investir no Brasil (regras institucionais costumam exigir duas notas em grau de investimento para fazer aportes em empresas ou países). Isso gera crescimento, investimento e renda. Essa discussão ajudou a trazer luz no efeito que de fato pode acontecer. Limitar gasto tem um lado positivo gigantesco.
Você se surpreendeu com a melhor da nota da Moody's?
Não com a melhora da nota, mas com o momento em que foi feita. O momento de 2023 era melhor do que o atual. É bem razoável o Brasil estar nesse nível de rating (nota de crédito). Mas só vai virar grau de investimento e crescer de forma sustentável com dívida estável ou reduzindo para o mesmo nível de países que são pares.
Outro debate intenso que precede o pacote é o dos gastos parafiscais, que não entram no cálculo da meta de déficit zero?
Sim, faz parte do job description (o que se espera do ocupante de um cargo) orientar que isso pode retirar credibilidade do arcabouço. Se há despesas fora do mecanismo que ancora expectativa, a confiança diminui. O ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) tem tentado orientar sobre o caminho certo.
O gasto com a ajuda ao RS pesa nesa conta?
Não, a ajuda ao RS é totalmente diferente. É constitucional. Foi um choque, ninguém escolheu fazer. Não entra na nossa conta de gastos parafiscais, que é de cerca de R$ 67 bilhões. Consideramos parafiscais apenas ações para estimular a economia fora do arcabouço. A ajuda ao RS é como se fosse o gasto com a pandemia, é a mesma coisa.
Você estava no Tesouro quando veio a pandemia, qual foi o tamanho do susto?
Foi complexo. No início de 2020, havia projeção de déficit de R$ 120 bilhões. O ano fechou com rombo de R$ 743 bilhões. A diferença (R$ 623 bilhões) foi o tamanho do susto. Foram R$ 500 bilhões em despesa, o resto por frustração de receita. Depois, adotamos ações para pagar. A dívida voltou a 70% do PIB. Agências de rating avaliaram que o Brasil foi o único do mundo a retomar o mesmo nível de dívida pré-pandemia. O congelamento de salários. ajudou, tanto a União quanto os entes subnacionais (Estados e municípios).
Também gerou pressões, como greve e outras mobilizações. São justas?
Demanda vai ter sempre. Há casos em que são justas, mas é preciso fazer benchmarkings (comparações) entre países e Estados. A tendência é piorar se ações relevantes não forem adotadas. E isso comprime as despesas discricionárias (de livre escolha). Isso depende das decisões de governo e da sociedade. Se a decisão for aumentar as obrigatórias, haverá menos liberdade para fazer políticas públicas. Existem decisões do passado, de Congressos do passado, pelas quais ainda estamos pagando hoje. O orçamento é de R$ 2 trilhões e discutimos R$ 120 bilhões, 6% do total. É muito pouco. Se os mínimos de saúde e educação seguirem vinculados à receita, existe de fato o risco de estrangular.
O ex-ministro Guedes tinha uma proposta que era a DDD (desvincular, desobrigar e desindexar). Esse seria o caminho?
O DDD era justamente para aliviar a rigidez orçamentária. Quando vincula ou indexa, garante aumento de despesas. São duas formas ruins de rigidez. Tira a liberdade do Congresso. O mundo muda muito rapidamente, é preciso ter liberdade para alterar. A economia brasileira tem mudado muito. Tem Estado com população mais velha, que precisa gastar mais com saúde do que com educação. Mas não sei se chegamos a esse nível de maturidade política e de gestão. No passado, houve tentativa de unificar os mínimos constitucionais de saúde e educação. São dois gastos socialmente relevantes. Se ficarem no mesmo bolo, dão liberdade de transferir de uma para outra. É possível manter algum tipo de vinculação, mas não à receita, que dê alguma liberdade. Mantém o nível, com melhora da eficiência do gasto. Seria politicamente mais factível também.
Como vê a volta do debate sobre dominância fiscal, em que o BC ficaria impedido de elevar o juro sob pena de elevar a dívida e piorar a situação?
O mercado está tenso com a desancoragem. O juro real está perto de 6,8%. É muito alto, quase no nível pré-impeachment, e as condições não são as mesmas. A economia está crescendo, o desemprego está baixo. Pode-se falar o que for, mas se discute redução de gasto. O quadro ainda não é de dominância fiscal. O Brasil passou por mudança de regras, leis. instituições relevantes. Está difícil fazer projeções. Nos últimos oito anos, o mercado errou todas, para baixo ou para cima. Isso ocorre porque a economia está mudando. O mercado começou a errar para cima, depois vieram teto, reforma trabalhista e da previdência e passou a errar para baixo. Tudo isso trouxe mudanças positivas para a economia, que hoje está melhor, mesmo.