Em entrevista que provocou polêmica não só pelo conteúdo, mas também pela forma (a coluna já explica), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a questionar a necessidade de cortes de gastos.
Na terça-feira (16), Lula afirmou que tem de "estar "convencido se há necessidade ou não de cortar" despesas e que tem "divergência de conceito com o pessoal do mercado":
— Nem tudo que eles tratam como gasto eu trato como gasto.
Então, antes de entrar na polêmica da forma, é bom explicitar que este trecho não faz sentido, qualquer que seja o ponto de vista. No orçamento público, assim como qualquer outro, só há duas modalidades de recursos: os que entram - receita, arrecadação - e os que saem - seja "gasto" ou "investimento".
Não é divergência entre o presidente e o mercado, é simples aritmética. Ao alertar para o risco de "estrangulamento orçamentário", a Instituição Fiscal Independente (IFI) adverte que, se nada for feito, em 2027 vai faltar recurso para gasto ou investimento que não sejam enquadrados nas despesas obrigatórias.
O problema de forma com a entrevista da Record foi a antecipação de trechos selecionados, antes do fechamento do mercado, por uma empresa dedicada a dar informações a investidores, a Capital Advice. E apenas as declarações mais polêmicas foram selecionadas.
Isso provocou reação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que apontou "descontextualização" da entrevista. Depois que todo o conteúdo foi ao ar, ficou claro que Lula também voltou a se comprometer com o ajuste:
— Vamos fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal. Eu dizia na campanha que íamos criar um país com estabilidade política, jurídica, fiscal, econômica e social.
Esse ruído não chegou a provocar alta do dólar na terça, mas pode ter impedido recuperação maior do real. No mesmo dia, o virtual futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, fez uma apresentação pública muito amigável ao mercado.
Mas tem mais barulho: a repórter que fez a entrevista se identifica no LinkedIn também como "sócia da Capital Advice Análise Política". Em nota, a Record afirma só ter tomado conhecimento dessa vinculação depois do episódio e que “condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes”.
As quatro frentes de ajuste
Compensações para acomodar a desoneração da folha | R$ 26,3 bilhões
Promessa de cortes em 2025 | R$ 25,9 bilhões
Bloqueio imediato para garantir a meta deste ano | R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões
Manutenção da alíquota-padrão do IVA dual | Gatilhos automáticos para revisar exceções