A coluna já havia relacionado a resistência do governo Lula em desonerar a folha de pagamento de 17 setores e de pequenos municípios com a preocupação com o déficit da Previdência. Depois disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi explícito:
— Daqui a três ou cinco anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência se não tiver receita.
É o velho conhecido roteiro de ameaçar com o caos quando um interesse é contrariado? Talvez haja exagero no prazo estimado por Haddad - três a cinco anos -, mas o cenário de exigência de uma nova reforma da Previdência é chancelado por especialistas da área e por projeções do Ministério do Planejamento.
É importante observar que, nas estimativas do Ministério do Planejamento sobre os riscos ao financiamento da Previdência para os próximos anos, não está computada a desoneração da folha de pagamento. Para ficar em um horizonte visível sem telescópio, nas contas oficiais o rombo superaria o valor de toda a arrecadação da Previdência em proporção do PIB até 2063.
Segundo estimativas da Fazenda, a perda de arrecadação com o benefício sobre a folha de salários nos moldes atuais seria de R$ 12 bilhões. Não fica muito acima do dado da Receita Federal sobre o impacto fiscal de R$ 9,36 milhões da desoneração em 2022. Ou seja, não é esse valor específico que exigirá uma nova reforma da Previdência. É mais um penduricalho que pesa nas contas.
Até porque é muito menor, diga-se de passagem, do que outra ameaça que está no Congresso, a PEC do Quinquênio, mãe de todas as pautas-bomba, que concede reajuste de 5% a cada cinco anos de trabalho para várias categorias do Judiciário, as mais bem remuneradas do serviço público. E também teria impacto na Previdência, porque embora seja sobre uma quantidade muito menor de salários, incidiria sobre valor expressivo.
O cenário que leva à projeção de rombo de R$ 25,5 trilhões na Previdência em 2100 é composto principalmente por dois fenômenos que só vão se intensificar nesses longos 76 anos até lá: a informalização do mercado de trabalho, com crescimento maior de empregos sem carteira assinada, portanto sem contribuição previdenciária, e o crescimento da fatia da população acima de 65 anos, que saltou 212% de 1991 a 2022.
O valor do rombo é até difícil de processar - mais de duas vezes o valor de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano passado - e muitos de nós que falamos sobre isso agora não estaremos aqui para checar se vai se concretizar ou não. Mas é preciso discutir agora as escolhas de políticas públicas para não pendurar essa conta nos bolsos das novas gerações.
O que é a desoneração da folha de pagamento
Permite que empresas de 17 setores troquem o pagamento da contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota menor sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%. Os setores são confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.