O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Ingrid Jetter foi três vezes prefeita de Riachuelo, cidade da Província de Corrientes, que, ao lado de Missiones, forma a zona de contato da Argentina com o Brasil, via Rio Grande do Sul. De 2019 até dezembro do ano passado era uma das deputadas nacionais que faziam oposição ao governo de Alberto Fernández. Em 2021, foi figura ativa no processo que garantiu a renovação da concessão da Ponte de São Borja e Santo Tomé, que teve o funcionamento ameaçado. Agora, avalia os primeiros passos e os polêmicos decretos de Javier Milei na presidência do país.v
Como você avalia as reformas?
As reformas propostas na campanha emergiram com o decreto DNU de 366 artigos e também pela Lei Ómnibus que tem 674 artigos. A tentativa é iniciar uma reforma estrutural indispensável. A questão fiscal não é o único problema. Desde Perón (Juan Domingo, na década de 1940), o país se transformou em uma nação populista e burocrática, em que a liberdade foi cortada. O que Javier Milei tenta é devolver aos argentinos um país onde se prime pela liberdade. Graças a isso já fomos um país muito importante no mundo.
Mas não se retiram subsídios que amparam as pessoas?
Não sacou-se todos os subsídios de uma vez só. Aqui, o sistema de subsídios é inflado. As pessoas pagam, hoje, por transportes de ônibus e metrô em Buenos Aires cerca de 60 pesos. Ou seja, 0,06 centavos de dólar. São trajetos de mais de uma hora, o que prova o excesso de subsídios. Em Corrientes, o boleto mínimo já está em cerca de 300 pesos, ou seja 0,30 centavos. É muito subsídio.
Esse não é o único protesto?
Há questionamentos por parte de alguns integrantes do Congresso sobre a declaração de emergência em todas as matérias econômicas, financeiras, fiscais de segurança, de previdência, despesas tarifárias, energéticas, sociais e isso dá certos poderes ao Executivo e desagrada alguns setores políticos acostumados com outro modelo de país. Caso a Argentina alcance um déficit fiscal zero será algo histórico. Não se conhece algo que tenha sido feito em tão pouco tempo. É algo que demandará esforços conjuntos. Há pessoas que não entendem, mas os salários não se modificam, os preços aumetam, a inflação passou de 200% de inflação, no mês passado quase 20%. O importante é que o ajuste valha a pena. Significa dizer que o ideal é que se avancem as reformas e que a economia possa começar funcionar. O problema é pagar por um ajuste que não traga mudanças estruturais, que é o que estamos acostumados a fazer na Argentina.
Na economia também ocorre?
Nas obras públicas, a ideia é direcionar o foco para as parcerias público-privadas o que para a Argentina é algo inovador. Ampliar o investimento privado o que abre o caminho paras as concessões privadas, dentre as quais pra construção de pontes. Isso não ocorria por problemas regulatórios mal elaborados e com demasiada intervenção do Estado. Tanto o DNU quanto a Lei Ómnibus abrem o caminho para as privatizações. São mais de 70 previstas, dentre as quais, a das Aerolíneas Argentinas (empresa aérea estatal), a TV pública, estatais carboníferas e de energia, cujos balanços e – na maioria delas – é deficitário. Há protestos, mas cada protesto é uma confissão de privilégios.
E as relações com o Brasil?
As retenções (impostos) aumentaram e chegam a 30%, é momentâneo e necessário para evitar a emissão de pesos. O primeiro compromisso de Milei é não emitir um peso até que se cumpra o déficit fiscal zero, histórico. O objetivo é retirar as retenções. E penso que a abertura que planteia Milei será positiva para os parceiros comerciais. Conversei com pessoas que trabalham diretamente com o comércio entre Argentina e Brasil e percebe-se entusiasmo, porque vai facilitar as transações internacionais. Entre os fatos novos, se levou ao congresso a pauta de que o modelo de desembaraço na ponte de Uruguaiana/Paso de Los Libres (estatal) seja mais parecido com o de São Borja/Santo Tomé (concessão). Querem a abertura e que uma eventual concessão possibilite também uma nova ponte em Uruguaiana.