O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
No início de 2021, o segundo e mais severo ano da pandemia de Covid-19 no país, o Auxílio Emergencial foi interrompido por três meses. Posteriormente, o pagamento foi retomado, mas com valores e cobertura bem menores que no primeiro ano da pandemia. Não fossem essas mudanças, a enorme crise social que atingiu o país em 2021 poderia ter sido muito menos aguda. Se a taxa de pobreza aumentou 4,6 pontos percentuais entre 2020 e 2021, 3,4 pontos podem ser atribuídos a variações nas políticas de auxílio. E se a extrema pobreza aumentou 1,9 pontos percentuais, 1,8 pontos se devem também àquelas variações. Em relação à desigualdade, que separa ricos e pobres, sem a redução dos auxílios teria caído entre 2020 e 2021. Essas e outras conclusões estão reunidas em um estudo produzido pelo PUCRS Data Social, em parceria com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). O objetivo, explica o criador e coordenador do PUCRS-Data Social, André Salata, foi analisar mais detalhadamente as causas das variações nos indicadores de pobreza e desigualdade no período mais agudo da pandemia de covid-19 no Brasil.
Como se explica essa relação do ponto de vista da renda do trabalho e dos programas emergenciais?
É precioso separar o primeiro (2020) e o segundo ano (2021) da pandemia. Em 2020 houve um choque gigante no mercado de trabalho, com forte queda na renda do trabalho, especialmente, entre os mais pobres. Para as pessoas que estão na base da pirâmide, a queda considerável na renda do trabalho jogou a desigualdade para cima e fez a pobreza explodir no país. Naquele momento, em 2020, criou-se um auxílio emergencial turbinado que contava com cerca de R$ 50 bilhões mensais e atingia 68 milhões de famílias com um valor alto (na faixa de R$ 600). Esses valores mais do que compensaram a queda da renda do trabalho.
E por que isso falhou?
Apesar do desenho e da rapidez com que foi criado, o auxílio emergencial funcionou como um contrapeso para o trabalho. Só que no segundo ano (em 2021) os fatores se invertem, porque a renda do trabalho, em especial a dos mais pobres subiu e mercado de trabalho reagiu, ainda que de maneira tímida. Em 2021, a vacinação começou e foi o que garantiu a recuperação do mercado de trabalho. Nesse ano, a renda do trabalho funcionou para reduzir a desigualdade e a pobreza. Só que também, naquele momento, o governo tomou uma medida precipitada e interrompeu o repasse do auxílio emergencial por três meses para retomá-lo, mais tarde, com valores e coberturas menores.
Quais foram os efeitos?
Foi um um contrapeso negativo para renda do trabalho. Essas mudanças puxaram a pobreza e estabeleceram o pior momento da série histórica, o que ampliou a desigualdade. Resumindo: o pior da crise social ocorreu em 2021 em razão dessa medida. O que mais explica esse salto de pobreza e desigualdade no Brasil da pandemia foi a decisão de interromper o pagamento do auxílio. Foi uma leitura equivocada de que o pior já havia passado, mesmo que sequer tivesse começado o esquema de vacinação. A aposta feita foi a de que o mercado de trabalho poderia dar conta sozinho da recuperação. Ao invés de uma transição gradual, no formato das transferências, que conduzisse a volta ao formato e aos valores do Bolsa Família, a gente interrompeu por três meses o pagamento. O resultado: as pessoas voltaram ao Bolsa Família que é um programa menor do que era o Auxílio Emergencial e as que não eram do Bolsa Família ficaram completamente desassistidas. Foi uma leitura muito equivocada da dinâmica da pandemia.
Esse tipo de equivoco influencia a conjuntura atual?
A principal consequência foi gerar o ápice da crise social. Em 2020, os indicadores sociais não pioraram tanto. A pobreza se manteve, a desigualdade chegou até a cair. Já em 2021 a gente teve o ápice da crise, com imagens de pessoas em filas para pegar restos de comida. Essas pessoas foram o custo humanitário do equivoco, pois ficaram desassistidas no momento em que isso não seria recomendável. O que aconteceu em 2022 foi um ano de recuperação, em que a desigualdade cai e a pobreza volta aos níveis de 2020. Mas há o lapso de 2021 entre eles, quando houve o pico de uma crise social. Esse estudo deixa claras as razões pelas quais isso se produziu. Os dados revelam uma realidade triste porque poderíamos, sim, ter amenizado uma enorme crise social apenas com decisões mais cautelosas.
Não é irônico que em 2022 quando já havia a retomada tenha havido reajuste e em 2021 no pior momento uma interrupção?
O que acontece, em 2022, é que duas forças atuaram de maneira conjunta: a vacinação em massa e o mercado de trabalho com mais pujança e segurança sanitária. Ao mesmo tempo, era um ano eleitoral que acabou por turbinar os programas de transferência de renda. E o que foi feito em 2021 é algo completamente fora da curva. Se separa os dados por trimestres a gente vê que o primeiro de 2021 é critico, justamente o que demarca a decisão mais drástica de cortar completamente o auxílio. Se não tivesse essa decisão, a crise social teria sido muito mais amena.