Por dois dias, o dólar trafegou acima de R$ 5 no Brasil. Nesta sexta-feira (29), a moeda americana cede 0,9% perto do final da manhã, e volta a trafegar abaixo da barreira psicológica, mas sem se distanciar muito do número simbólico: está cotado a R$ 4,994.
A mola que impulsionou o câmbio - aliada a pontuais incertezas domésticas - está lá no país que imprime as tão cobiçadas cédulas verdes. Para muitos economistas, os Estados Unidos vivem uma "tempestade perfeita".
Não por acaso, o cenário externo foi um dos assuntos centrais da primeira reunião formal entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mediada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A situação que já preocupava foi acentuada pela leitura de o juro de referência do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) permanecerá alto por muito tempo.
Isso provocou nova alta dos títulos do Tesouro americano, os Treasuries. Considerados os mais seguros e líquidos (fáceis de comprar e vender) do planeta, quando sobem funcionam como ímã de dólar: os recursos que circulam nos mercados emergentes voltam para esse "porto seguro" se passa a remunerar mais. Não foi só o real que se depreciou nos últimos dias: os pesos colombiano e mexicano, por exemplo, caíram ainda mais ante o dólar.
Além disso - e um pouco, também por isso -, há novo impasse sobre o teto da dívida dos Estados Unidos. É bom lembrar que, em agosto, a Fitch, uma das três maiores agências de classificação de risco do mundo, havia rebaixado a nota da dívida americana. No ano passado, a oposição republicana havia concordado com mais um puxadinho no teto da dívida, desde que o governo Biden cortasse gastos. Mas na nova temporada de revisão das contas, voltou a ameaça de shutdown - a paralisação de serviços públicos acionado quando há impasse na votação de leis básicas para a operação do governo.
Sem um acordo em pouco mais de 24 horas, podem começar a fechar os parques nacionais - por exemplo - se não for aprovada ao menos uma medida conhecida como "stopgap", que adia a definição do orçamento. Conforme estimativa citada pela XP Investimentos, cada semana de shutdown pode custar 0,15 ponto percentual do PIB dos EUA - por atraso no pagamento de salários de servidores e redução na aquisição do governo de bens e serviços. Na edição online desta sexta-feira (29) do The Wall Street Journal, o mais tradicional jornal de negócios dos EUA, um dos destaques é "porque os shutdowns são uma ameaça constante".
Completa o cenário o forte aumento do preço do petróleo nas últimas semanas. O tipo brent saiu da faixa de US$ 85 no final de agosto para US$ 95 neste final de setembro - alta superior a 10%, que o economista Cristiano Oliveira, do banco Pine, caracteriza como "clássico choque de oferta". É bom lembrar que, nos EUA, aumentos na matéria-prima são imediatamente repassados nos postos de abastecimento e, portanto, para a inflação - motivo que faz o Fed prever longo tempo de juro alto.
Até agora, não há sinais da temida recessão nos Estados Unidos, capaz de fazer economias emergentes murcharem por falta de irrigação "verdinha". Mas o pouso da águia também não será tão suave quanto se desejava. O bater de asas da ave-símbolo do país já provoca turbulências em várias latitudes.