Advogado especializado em governança corporativa, o gaúcho Robert Juenemann, 57 anos, quebrou um silêncio pesado em 2021, ao assumir sua homossexualidade em um universo com pouca diversidade, o dos conselhos de administração de grandes companhias. Nesses dois anos, relatou à coluna, não houve grande transformação, mas o tema da diversidade avançou, em boa parte graças à pressão de investidores estrangeiros. Só lamenta que faça palestras todos os meses por não ter mais pares com quem dividir essas tarefas. Neste Dia Mundial do Orgulho LGTB+, essa é parte crucial das boas práticas sociais e ambientais no ESG.
Como foi a decisão de trazer o debate da diversidade para o mundo corporativo, especialmente nos conselhos de administração das empresas?
Tenho um companheiro há quase 34 anos, e em abril de 2020, nós dois tivemos covid, e ele passou muito mal em determinado dia. Aí me dei conta que ninguém pode passar por uma pandemia sem revisar valores, mas não sabia muito bem como fazer. No ano seguinte, em março, fui entrevistado por representantes de investidores brasileiros e estrangeiros. Os brasileiros estavam muito mais preocupados em questões restritas de administração, ficou claro que diversidade não era uma prioridade. Com os estrangeiros, no dia seguinte, foi o oposto: estavam muito mais interessados em diversidade e inclusão do que em outros temas. Saí pensando que algo estava errado, que os investidores estrangeiros enxergavam situações que os brasileiros ainda não conseguiam ver.
Ao ouvir que era casado com um homem, e que tinham decidido não ter filhos, houve um silêncio constrangido.
E qual foi sua decisão?
Esse foi o ponto de partida para escrever e publicar um artigo (clique aqui para ler), onde narro a chegada de um conselheiro novo em uma reunião, e membros antigos perguntam sobre filhos. Ao ouvir que era casado com um homem, e que tinham decidido não ter filhos, houve um silêncio constrangido. Esse artigo caiu como uma bomba no mercado, foi o jeito de responder a meu anseio de me reinventar, e ao mesmo tempo, de dar uma resposta àqueles investidores brasileiros que representavam, de certa forma, o mercado nacional como um todo, mostrando que estávamos muito atrasados nesse tema. Depois disso, não parei mais de participar de eventos e de falar sobre inclusão e diversidade nos mais diversos meios empresariais.
Você vê alguma evolução nesses dois anos?
Há um sinal de mudança nas empresas porque a sociedade tem exigido. As pessoas têm exigido respostas das empresas, que muitas vezes não têm sido capazes de responder no tempo adequado e com a profundidade necessária. Desde 2021, ainda sou o único conselheiro de grandes empresas abertamente gay que trata desse assunto, e pergunto nos eventos 'onde estão os outros conselheiros LGBT? Sei que vocês existem'. Ninguém aparece, e sei que é por medo de demissão, de agressão, de serem ridicularizados. Tem gente que diz que é mimimi, mas ouvi uma frase perfeita: 'mimimi é a dor dos outros que eu não sinto'. Os conselhos são formados hoje ainda majoritariamente por homens brancos, heterossexuais, com mais de 50 anos, que muitas vezes não conseguem ver agregação de valor na diversidade.
Assim como existe greenwashing, há pinkwashing, ou seja, empresas que simulam interesse no tema apenas para alcançar consumidores homossexuais.
Como se dá essa cobrança?
Os consumidores querem ver o que as empresas fazem de fato para a diminuição de preconceitos de gênero, de raça, de orientação sexual. Essa mudança acaba sendo obrigatória, por vir de fora para dentro. Assim como existe greenwashing (maquiagem verde), há pinkwashing, ou seja, empresas que simulam interesse no tema apenas para alcançar consumidores homossexuais. Para os conselhos das empresas, digo o seguinte: 'se vocês não sabem tratar desse assunto, chamem alguém que entenda', porque senão vai continuar sendo o último tema da pauta. E reforço: 'se quiserem ser mais inclusivos por um mundo melhor, ótimo, mas se quiserem fazer isso só por lucro, também ajuda'.
Qual é o valor da diversidade?
Pesquisas mostram que conselhos mais diversos decidem melhor, pois há pessoas com formações, experiências e visões de mundo diferentes. Os assuntos são analisados por mais facetas, e as empresas erram menos em suas estratégias. Quando sento em uma cadeira de conselho, preciso ser estratégico. Sob hipótese alguma posso deixar de contemplar estratégias que afetam uma parcela muito significativa da população. Todos os dias, vejo oportunidades de negócios perdidas e milhões de reais não entrando nos caixas das empresas por burrice e preconceito. E já ouvi questionamentos como 'então, preciso te contratar só porque você é gay?', e respondo 'não, você deve me contratar porque tenho formação qualificada, experiência de mercado, e também porque eu sou gay, ou seja, tu ganhas um brinde a mais'. Temos que tratar desse assunto, não é razoável que não se altere essa forma antiquada de pensar, nem que as empresas façam isso só por dinheiro.
* Colaborou Mathias Boni