Na busca por conter uma inflação de 108% ao ano, além da pretensão de elevar a taxa de juros para 97% ao ano, a Argentina quer reativar negócios e frear a dolarização das transações locais. A meta é dar o mínimo de dignidade ao poder de compra do peso, a moeda oficial do país. Entre as contradições de um amplo plano anunciado no domingo passado (13) está, outra vez, uma movimentação que, de tempos em tempos, ocorre por lá.
Trata-se de um incentivo ao consumo interno aliado com a prioridade dada aos produtos nacionais. Isso passa pela redução das taxas de cartões de crédito ou restituições aos setores industriais considerados “mais vulneráveis”.
Na prática, sabe-se que se reflete, sim, em novas barreiras comerciais. Com reservas interacionais em baixa, histórico de calote Internacional e maior ingerência do governo dos ‘hermanos’ sobre as operações de comércio exterior, algumas antigas parcerias com setores econômicos do Brasil estão outra vez em xeque.
É um jogo de "perde-perde". Basta consultar qualquer cartilha básica de economia – ou olhar para as tentativas pregressas recentes implementadas na própria Argentina – para antecipar que restrições como as adotadas tendem a não gerar o desejado efeito para o controle da inflação. E, de quebra, ajudam a desmontar, ainda que temporariamente, algumas cadeias produtivas.
Do lado de cá da fronteira, pelo menos dois segmentos indústrias estratégicos e de forte presença no Rio Grande do Sul – o calçadista e o de máquinas e implementos agrícolas – já sentem os impactos. Por essa razão, entre os dias 9 e 11 de maio, a Associação Brasileira das Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) chegou a realizar uma missão empresarial com o objetivo de estreitar os laços com os industriais argentinos e discutir formas de solucionar o impasse que já vem atrasando o pagamento das exportações brasileiras para o país vizinho.
A superintendente da entidade, Silvana Dilly informa que na ocasião foram abordadas as dificuldade de compra de materiais brasileiros, seja pela demora de liberação das licenças (Siras) como pela dificuldade de recebimentos de pagamentos em função de uma resolução do Banco Central argentino que alterou as condições de acesso ao chamado Mercado Único de Câmbio para o pagamento de suas importações.
– Algumas empresas brasileiras reportam atrasos que chegam a 180 dias. É uma situação insustentável, especialmente para empresas de menor porte – resume.
O resultado? No primeiro trimestre, a Argentina comprou apenas o equivalente a US$ 10,17 milhões em componentes brasileiros, uma queda de 100% em relação ao mesmo período de 2022. A explicação aponta para a menor demanda da indústria local, em meio à crise, e a desistência das empresas brasileiras em tentar negociar com o mercado argentino.
UM FILME REPETIDO
À Coluna o presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Estado (Simers) Cláudio Bier relata assistir um filme idêntico no setor que representa. Isso porque a Argentina é o principal destino das vendas externas nacionais e, em 2017, chegou a importar US$ 273,7 milhões em máquinas do Brasil.
Em 2022, não chegou sequer aos US$ 200 milhões. Agora, quase na metade de 2023, as compras argentinas no segmento somam somente US$ 55,2 milhões, o que equivale a menos de 21% do valor despendido há seis anos, apontam os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Há casos, relata o dirigente de máquinas paradas por mais de dois meses nas fronteiras secas no aguardo dos pagamentos. O problema é que o peso é maior para o RS, que responde por 62% da fabricação desses itens, mas representa não mais do 11% do mercado doméstico.
– O sentimento é que de deixamos de exportar. A argentina compra em média 10% das máquinas produzidas no Brasil e esse percentual tende a ser reduzido à zero – lamenta Bier, ao lembrar que a saída será redirecionar os esforços vendas em outros países e Estados do Centro-Oeste brasileiro.
Não é por acaso que as exportações do setor despencaram. De janeiro a março, foram vendidos 14.145 tratores de rodas e colheitadeiras de grãos. entre janeiro e março, o que representa um ligeiro crescimento de 0,1% em relação às 14.128 vendidas em igual período do ano passado, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).