O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
No embate sobre a autonomia do Banco Central (BC), emerge a discussão sobre o papel da política monetária e seus impactos sobre a atividade econômica. Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), como de costume, é uma das vozes dissonantes em questões centrais em que parece haver convergência de análises. Para ele, a manutenção da atual estratégia corrobora com uma crise de crédito no país.
Por que revogar a autonomia do BC?
Revogar a autonomia me parece fora de questão. Mas as partes operacionais da política monetária têm de estar relacionadas com outras áreas. A economia não cresce, o endividamento aumenta. Com os atuais juros, o Brasil se encaminha para uma crise de crédito, mas as pessoas não olham isso. Se você acha que está tudo certo, não vê que do outro lado há uma economia com grau de atividade muito baixo. Fala-se em pleno emprego, mas descarta-se os trabalhadores por conta própria no mercado. É uma previsão complicada de enfrentar com as medidas tracionais que não capturam dados. Há essa visão unívoca de que os juros darão certo, sem pesar efeitos, sobretudo, no custo de crédito.
Não é assim no mundo?
Nos Estados Unidos, há, por exemplo, a determinação de prestar contas permanentes ao Congresso. É uma forma de controlar a autonomia por outras instituições sem revogar. O BC não pode ser uma entidade que não presta contas a ninguém. É preciso questionar se a condução da política monetária cumpre o seu papel. No mundo, por um momento, houve queda na taxa de juros e o grau de endividamento subiu muito. Quando se eleva os juros isso não retrocede num instante. Agora, o estoque da dívida é maior que os PIBs (Produtos Internos Brutos) e, com isso, os bancos contraem o crédito.
Mas a atual política fiscal permite relaxar a monetária?
Tudo, hoje, parece ser o fiscal. A dívida dos Estados Unidos é quase 104% do PIB, porque não há caso de calote de dívida interna, ou seja, na própria moeda. O calote da dívida só ocorre na dívida externa, portanto, indexada em moeda estrangeira. É assim. Invita-se essa crença fiscal. Não é que se tem que sair gastando à toa, mas a ação do gasto público é importante, se não a economia não vai andar.
E como unir as duas?
É mais complexo do que aumentar a taxa de juros. As economias europeias no pós-guerra controlaram o crédito e não juro. Direcionaram aos setores com maior capacidade multiplicadora de consumo, renda e atividade. Isso é o capitalismo, tem que entender os mecanismos que o colocam para funcionar. O estoque de dívida hoje é mais do US$ 337 trilhões no mundo inteiro. A dívida privada cresce mais do que a pública. Agora, o mercado está nervoso e corre-se atrás dos títulos públicos porque em cenário de crise de crédito, geração de título privado de dívida não vai ter tçao cedo.