Na noite de sexta-feira (6), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu por 21 dias uma assembleia geral ordinária de acionistas da Saraiva prevista para terça-feira (10). A rede de livrarias entrou em recuperação judicial em 2018 com dívida de R$ 674 milhões e chegou a enfrentar risco de falência.
A reunião, que aprovaria um aumento de capital, foi impedida por uma gaúcha de 24 anos que mora em Porto Alegre, Alyssa Bruscato. A jovem é a segunda maior acionista individual entre os 14 mil da empresa, com 15% dos papéis ordinários, só atrás do proprietário, Jorge Saraiva.
Com graduação e mestranda em História, Alyssa também é dona de uma marca de calçados em Novo Hamburgo. A coluna apurou que ela investiu na compra dos papéis por acreditar na recuperação da empresa, mas vem discordando das ações da diretoria-executiva.
O motivo da divergência é um pagamento ao redor de R$ 32 milhões que o acionista majoritário pretende fazer à KR Capital, responsável pela gestão interina da empresa durante a recuperação judicial. A forma seria a emissão de ações, por meio da qual o gestor seria remunerado por uma negociação adicional com um dos credores da Saraiva.
No pedido de suspensão, Alyssa afirma que "vem tentando, sem sucesso, que a Companhia dê transparência aos contratos que deram origem aos créditos dos credores pós-concursais, em especial o contrato firmado com a empresa KR Capital". Pede, ainda, acesso ao contrato entre a KR e a Saraiva, e anexos de atas que preveem valor, prazo e forma de pagamento e outros documentos que não foram disponibilizados pela gestão.
Na decisão tomada pela diretoria da CVM (leia o original aqui), há constatação de que o "crédito vultoso (elevado), originado por alegado êxito na prestação de serviços por empresa ligada ao atual CEO da Companhia (...) que enseja, em regra, atenção especial dos acionistas e da CVM". Avalia que "embora ainda não haja clareza sobre os termos da cessão, os elementos trazidos de plano, pela companhia, quanto à gênese do crédito, sua negociação pela KR Capital e sua cessão ao FIDC-NP, indicam a configuração de 'interesse especial' de parte relacionada à companhia na aprovação do referido aumento de capital".
Há preocupação em relação ao negócio entre os demais credores, que não tiveram outra alternativa do que aceitar um corte de 80% nos valores a receber por meio de contrato "irrevogável e irretratável", por que esse pagamento não só será feito de forma integral como não tem uma cláusula, chamada de lock up, que impede a venda imediata das ações recebidas. Os cerca de 14 mil acionistas temem a diluição desse aumento de capital e o efeito sobre o preço de uma eventual venda de grande quantidade de papéis.
Na decisão, a CVM afirma que em casos s de "interesse especial" de uma parte, "deve-se conferir à matéria a transparência exigida pela norma, por meio da divulgação, no mínimo, das informações elencadas no mencionado dispositivo".
Ao se manifestar na análise do caso a Saraiva afirmou que "a Acionista (Alyssa) adquiriu, por sua conta e risco, e no período de maior turbulência da história da companhia, participação relevante" e que "o movimento foi realizado, aparentemente, com fundamento especulativo ou sustentado em alguma perspectiva de escalada de poder, diante da conjuntura em que se inseriu". Sobre o pagamento feito sob a forma de aumento de capital, sustenta que "foi a alternativa que se revelou mais adequada e menos custosa, diante das dificuldades financeiras da Saraiva".