No comunicado em que avisou que o ciclo de alta do juro ainda não terminou, o Banco Central (BC) incluiu uma informação inusitada.
Avisou que está adotando "a hipótese de bandeira tarifária 'amarela' em dezembro de 2022 e dezembro de 2023". Ou seja, sugeriu que, passada a eleição, a conta de luz voltará a subir — ainda mais.
No Brasil, quem define a bandeira na conta de luz é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), não o Banco Central. Mesmo assim, em uma reunião para definir juro, faz sentido projetar o comportamento da tarifa de energia, que tem sido um dos vilões da inflação. Mas como o comentário no comunicado surpreendeu até especialistas em energia elétrica, a coluna consultou os agentes envolvidos.
O BC não respondeu. A Aneel sugeriu que a coluna encaminhasse a checagem ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável pelo acompanhamento das condições de abastecimento do país. O ONS, por sua vez, recomendou atenção para o diagnóstico do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) a ser divulgado nesta sexta-feira (6). Alguém mais aí, além da coluna, com a sensação de que a estratégia é passar o problema adiante?
Até o final da manhã, a coluna não havia tido acesso ao relatório completo, mas uma publicação no site no Ministério de Minas e Energia sobre a reunião do CMSE (clique aqui para ler a íntegra) apontava que "em abril de 2022, houve continuidade das chuvas verificadas na região Sul", mas que, nas "demais regiões, as precipitações foram predominantemente abaixo da média histórica, com a ocorrência de pouca chuva nas bacias do Sudeste/Centro-Oeste, comportamento compatível com o início do período seco (de abril a outubro)".
A região Sudeste/Centro-Oeste, uma coisa só para efeito de análise do ONS, é considera a "caixa d'água do Brasil", por concentrar 70% do volume dos reservatórios das hidrelétricas. E a análise publicada pelo MME afirma ainda que "avaliações estendidas até o final de novembro de 2022 (destaque da coluna), indicaram o pleno atendimento tanto em termos de energia quanto de potência em todo o período, sem que haja necessidade de uso da reserva operativa".
O que dá para entender é que, até novembro, não haverá bandeira na conta de luz. Depois disso, o BC parece ter mais informações do que o setor elétrico. A coluna apurou, falando com fontes da área, que o estresse do Banco Central vai além da bandeira. Circula no Congresso uma proposta para adiar os reajustes anuais da conta de luz — aqueles sobre os quais será cobrado percentual extra para bancar o socorro às distribuidoras — para 2023, portanto depois das eleições.
Além da indignação das entidades que representam as empresas, está provocando temor de que, com o reajuste acumulado em 2023, o BC não consiga atingir a meta de inflação pelo terceiro ano consecutivo, o que seria péssimo para a credibilidade da instituição e do sistema.